Monday, June 30, 2008
Lula é neoliberal? by Mailson da Nóbrega
O neoliberalismo, seja lá o que signifique para essas pessoas, surgiu nos anos 1970, em reação aos excessos da intervenção estatal na economia, vista como uma das principais causas da estagflação (fenômeno então inédito). A ala libertária pregava a redução drástica da ação do Estado, alegando que seu controle sobre a economia é indesejável, pois gera ineficiência e corrupção.
Os órfãos do falido socialismo real e os saudosistas do nacionalismo econômico desancaram o tal neoliberalismo. Seus seguidores seriam prisioneiros de um deus-mercado, adeptos do Estado mínimo, influenciados por doutrinas alienígenas, insensíveis aos problemas sociais e por aí afora.
Para júbilo dos críticos, o neoliberalismo ganhou uma face: o Consenso de Washington. Em artigo de 1989, o economista John Williamson sugeriu medidas a seu ver apropriadas para os países em desenvolvimento. Suas idéias - "prudência macroeconômica, liberalização microeconômica e orientação externa" - se contrapunham a déficits públicos, excessivo endividamento externo e confiança nos empreendimentos estatais, que caracterizavam a América Latina e explicavam a sua crise.
Em artigo de 2000, Fabio Giambiagi demoliu, um a um, os argumentos dos críticos. Mostrou que não procediam os ataques aos pontos básicos da política econômica: a política cambial, a abertura comercial, o tratamento ao capital estrangeiro, a privatização, a política monetária, a política fiscal e os gastos sociais.
As idéias do Consenso de Washington não eram novidade. Vinham sendo adotadas com sucesso no Chile, cujo governo socialista manteve a política econômica do regime militar. A esquerda chilena foi a primeira da América Latina a entender que a gestão macroeconômica não tem ideologia. Dos anos 1990 para cá, o Chile foi o país de maior crescimento na região.
Williamson se arrependeu do título dado às idéias e reconheceu que não atribuíra a importância devida às questões institucionais. Curiosamente, foi o Brasil, depois do Chile, quem melhor construiu instituições inibidoras de políticas econômicas irresponsáveis.
Na oposição, Lula condenava o que entendia como neoliberalismo. No governo, manteve prudentemente os rumos e assim contribuiu para a atual fase de estabilidade e prosperidade, cujas causas básicas são a boa gestão macroeconômica, reformas microeconômicas e os ganhos derivados dos preços das commodities que exportamos.
A inflação se manteve sob controle graças à autonomia operacional do Banco Central, à elevação dos superávits primários e à percepção, pelos mercados, de que o presidente é o fiador dessa auspiciosa realidade. Maior taxa de crescimento, redução das desigualdades e grau de investimento - que Lula comemora, com razão - são três dos mais importantes efeitos da política econômica que os críticos chamam de neoliberal. Apesar do esperneio, tudo indica que essas políticas terão continuidade nos próximos governos, até porque são expressão de atitudes responsáveis.
Os críticos enxergam nos EUA a pátria das idéias neoliberais. Por isso, comemoraram o seu fim, sem nenhuma razão. Ao contrário do que se tem dito, a ação do Federal Reserve para evitar a quebra do Bear Sterns não marca o fim do neoliberalismo nem significa que os americanos seguem políticas diferentes das que recomendavam para outros países. A medida constituiu uma decisão natural, guiada pelo interesse público, que há décadas faz parte do cardápio de qualquer banco central responsável, como ocorreu no caso do Proer brasileiro.
Em resumo, confunde-se responsabilidade com neoliberalismo. Por isso, é um despautério chamar Lula de neoliberal. Afora a política econômica e outros gatos pingados, seu governo escandaliza os apóstolos das idéias ditas neoliberais. Basta ver o dirigismo na infra-estrutura, a resistência à privatização, o desprezo pela autonomia das agências reguladoras e o anticapitalismo que permeia o governo, particularmente na política agrária.
A prosperidade não é o problema by Diogo Costa
Mas o que Diqing vê como bênção é considerado por observadores internacionais uma espécie de maldição. O preço dos alimentos não pára de aumentar. Os jornais mostram fotos de protestos em diversos países, as famílias dos países ricos vêem seu poder aquisitivo diminuir e as dos países pobres sentem a fome apertar. O principal culpado, dizem especialistas dentro e fora do Brasil, é o aumento da renda per capita nos países do Sudeste Asiático. André Petry escreveu na revista Veja (28/5) que "o que ajudará a perpetuar o problema é o aumento do consumo de alimentos, sobretudo na China e na Índia".
Leitores de Shakespeare podem se lembrar de Lancelote em O Mercador de Veneza. Num diálogo com Jéssica, uma judia, sobre seu casamento com Lorenzo, um cristão, Lancelote ironiza que um maior número de judeus convertidos ao cristianismo aumentará o preço da carne de porco.
Os preços informam a relação de oferta e demanda sobre determinado produto. É verdade que uma expansão significativa da demanda mundial por alimentos eleva o preço desses produtos. Mas a história não acaba aí. Um aumento de preços cria incentivos para que recursos materiais e intelectuais sejam deslocados para saciar a nova demanda. Investe-se capital e implementam-se novas tecnologias para a produção de alimentos. No longo prazo, esse processo aumenta a produtividade - e os alimentos ficam mais baratos. Esse processo é o que o economista Julian Simon chamava de a história da economia agrícola.
O problema, portanto, não é o aumento da demanda. É o não-aumento da oferta. A demanda por computadores e carros aumentou nos últimos anos, mas esses produtos ficaram mais baratos. Uma investigação que pretenda solucionar o problema deve perguntar-se por que o ajuste da produção está tendo dificuldades para acompanhar o maior consumo de alimentos.
É aí que entram as perversas intervenções governamentais. Nos EUA, a política do etanol desviou a produção do milho para os tanques dos carros e aumentou o preço do cereal, mundialmente. Na Europa, os subsídios agrícolas - que chegam a US$ 53 bilhões anuais - fecham o mercado à competição dos agricultores de países em desenvolvimento, o que limita as possibilidades de avanço agrícola em diferentes partes do mundo. Em países pobres, uma terrível combinação de falta de infra-estrutura nas estradas, blitze que causam engarrafamentos intermináveis e impostos que encarecem técnicas de refrigeração e conservação de alimentos faz metade da comida se estragar antes que chegue ao consumidor. E ainda há as restrições ao livre-comércio. Metade de toda a comercialização mundial de arroz não é feita num ambiente de livre mercado, mas é administrada por conselhos políticos. Não surpreende, por isso, que apenas de 5% a 7% do arroz do mundo seja comercializado internacionalmente.
Restringir as exportações, como fizeram os governos da Rússia, Argentina e Índia, só piora o problema e torna ainda mais distante a existência de um livre mercado de produtos agrícolas. As conseqüências são óbvias. Imagine se os Estados brasileiros criassem tarifas para o comércio doméstico. Se o Rio Grande do Sul impusesse um imposto sobre o arroz exportado para a Bahia ou se o Rio de Janeiro cobrasse 30% de tarifa de toda a soja vinda de Mato Grosso, menos arroz e soja chegariam às prateleiras, e a um preço mais alto. É isso que as restrições comerciais fazem em escala mundial. Estima-se que a remoção de todas as barreiras comerciais enriqueceria o mundo em até US$ 2,6 trilhões por ano.
Uma demanda global de alimentos exige uma oferta global de alimentos. Países pobres e ricos devem abandonar as barreiras de importação e exportação que impedem a circulação de comida - e tornam múltiplas refeições um luxo, fazendo da nutrição um privilégio de poucos. O aumento do consumo mundial é o incentivo que move o progresso agrícola e permitiu que cada vez menos terra e trabalho fossem necessários para alimentar cada vez mais gente. A história do moderno mundo capitalista indica que, no longo prazo, com o aumento populacional, a comida fica mais barata, seja medida em relação ao preço do trabalho ou aos bens de consumo.
Essa é uma razão para vermos com bons olhos o aumento do consumo de alimentos no Continente Asiático. Mas não a principal. O maior motivo para comemorarmos esse aumento na demanda é pensar que milhões de pessoas podem comer, e comer melhor. Mais indianos já podem fazer duas refeições por dia. Os chineses não precisam mais se alimentar quase que exclusivamente de grãos. A família de Diqing não precisa esperar pela virada do calendário para comer carne de porco.
A prosperidade de milhões de seres humanos merece ser celebrada como uma conquista civilizacional de dimensões globais. São os obstáculos ao direito dos povos de comercializar livremente que devem ser condenados e demolidos. Os Lancelotes de nossa época estão errados. Em longo prazo, nem o cristianismo nem o capitalismo aumentam o preço da carne de porco.
Sunday, June 29, 2008
A boçalidade dos aiatolás das proibições by Reinaldo Azevedo
Today, June 29, 2008, 4 hours ago | noreply@blogger.com (Reinaldo Azevedo)
A lei que pode cassar a carta de motorista, com multa de quase R$ 1 mil, de quem tomar uma taça de vinho ou uma lata de cerveja é uma boçalidade. Coisa típica de país em que as leis são flagrantemente desrespeitadas pelos próprios governantes, que dividem o seu reinado com o crime organizado, mas que decidem ser draconianos com o cidadão comum. Abstenho-me de perguntar se Lula e Roberto Teixeira estavam sóbrios quando discutiam o caso Varig, por exemplo. Até porque tenho certeza: sim, eles estavam.
Não há nada que possamos fazer bêbados que Lula e Teixeira não façam muito pior estando sóbrios.
Será que estou aqui a defender que as pessoas saiam barbarizando por aí, já que o país, no ponto de vista legal, está se transformando num lupanar — para usar vocábulo acima da linha da cintura, embora a palavra designe o que vai abaixo? É claro que não. Apenas sustento que é uma estupidez impor limites tão baixos para o consumo, o que coloca o país entre os mais restritivos do mundo.
Como foi tomada essa decisão? Quais são os números? Há casos de acidentes graves no trânsito provocados por quem tomou uma lata de cerveja apenas? Ou uma taça de vinho? Duvido. É rigidez de país bananeiro — que contou, no caso, com a soma de várias militâncias da estupidez e do obscurantismo pseudo-humanistas. E reitero: que a lei seja dura, sim. Mas para punir o alcoolismo no trânsito.
Obscurantismos
Os lobistas da droga devem estar felizes a esta altura, não? A lei já lhes faculta carregar um fuminho apenas para seu consumo. No máximo, o sujeito leva um pito. Se, numa festa, o valente fumar maconha até ficar com os olhos esgazeados ou cheirar pó até eles ficarem vidrados, nada a temer: pode soprar o canudo, que a passagem está livre. É um homem de bem. Perigoso é o pobre contador que vem atrás, coitado, ou um gerente de banco: tomaram uma cerveja... Como é mesmo? “Dançou, playboy!”. Ah, sim: também dá pra mandar ver no ecstasy. O viciado tem até direito a bebedouro, garantido por lei. É um despropósito!
Alguns idiotas, proxenetas do onguismo que pretende nos sufocar com seus carinhos — embora, de fato, encham de dinheiro os seus bolsinhos —, acusam o lobby da indústria da bebida de ser contra isso ou aquilo. Eu quero que o lobby da bebida, do fumo ou das comidas que engordem se dane. O que acho insuportável é esta, com vou chamar?, “medicalização” da cultura, que nos transforma a todos em menores idiotizados, estupidificados pela suposta desinformação, dependentes de que o papai estado venha nos dizer: “Não fume, não beba, não consuma calorias, não isso, não aquilo... Nós só queremos o seu bem”.
Alguém poderia dizer: “Curioso, Reinaldo! Por que fazem o contrário com o sexo, botando máquinas de camisinha nas escolas?” Não há contradição nenhuma, mas coerência na estupidez. A “camisinha” também é a transformação do sexo apenas em questão médica: “Encape o bicho, e aí tudo é permitido”. Em qualquer caso, trata-se de diminuir o espaço da arbitragem individual.
A única nota algo dissonante nessa cruzada dos aiatolás da saúde é a tolerância com as drogas — e até o estímulo ao consumo. Mas até ela se explica se formos fazer a genealogia dessas “idéias purificadoras”: os “inteliquituais” dessa nova cultura são caudatários daquele tempo em que elas contestavam o “sistema”, entendem? Não beber, não fumar, não consumir gorduras, tudo isso é uma variante contemporânea daquela “contestação”. Não por acaso, acusam-se os lobbies de fazer pressão contra as proibições por razões “puramente de mercado”. Há uns idiotas achando que, assim, ajudam a combater o capitalismo.
Não deixa de irônico
No fim das contas, isso tudo não deixa de ser irônico — e olhem que não dirijo; a lei nem me atinge pessoalmente. Já aconteceu de eu me dizer católico aqui e ali, e as pessoas me olharem como se eu fosse um ET. Algumas me vêem até com certa piedade. Outros desandam a falar de sua vida venturosa, tão plena daquelas alegrias que, para uma pobre vítima do Vaticano, estariam vedados. Porque vocês sabem, não? Católicos ficam vendo pecado em tudo, torturando-se diante de qualquer prenúncio de prazer, mortificando-se... Ou, então, hipócritas que somos, caímos em tentação para rezar uma penca de ave-marias depois.
Quem diria, não? Estou começando a me sentir permissivo diante do triunfo dessa nova religião. Daqui a pouco, teremos de rezar algumas vezes por dia com a cabeça voltada para o Ministério da Saúde: sem fumar, sem beber, sem consumir gorduras, prontos para, com o sangue limpinho, ser sugados pelos mosquitos de José Gomes Temporão.
Estatísticas enganosas
Caso se espalhem alguns milhares ou milhões de bafômetros e se imponha o terror, é bem possível que caia o número de acidentes provocados por ingestão de álcool. É que os realmente embriagados terão sido tirados de circulação. E os idiotas dirão então: “Estão vendo? A lei foi eficaz”.
Ela foi eficaz porque pegou os bêbados — o que se pode fazer com uma lei mais racional —, não porque agrediu os nossos direitos e diminuiu a nossa joie de vivre
Friday, June 27, 2008
Indivíduos, não manada by Reinaldo Azevedo

Today, June 27, 2008, 9 hours ago | noreply@blogger.com (Reinaldo Azevedo)
Vocês sabem, não? 99,4% do nosso material genético é igualzinho ao dos chimpanzés. Assim, há, é inegável, um macaco em nós. É um tanto assustador que tenhamos feito todo o resto só com 0,6%... É nessa parte ínfima que está o ser que pondera. A esmagadora maioria do que vai no nosso íntimo ainda sobe em árvore e faz cocô na cabeça alheia, pratica canibalismo, infanticídio, assalto em bando... Isto mesmo: bando é coisa de chimpanzé. Eu tenho horror a bando. Só os indivíduos na sua singularidade me interessam.
É por isso, por exemplo, que acho que o estado deve ser contido e vigiado pelo indivíduo, e não o contrário, como ocorre costumeiramente. Sim, o meu ideal político — e dizem que isso é ser de direita — é ter um estado cada vez menor e um espaço cada vez maior para a arbitragem individual. Dou um exemplo: faz sentido proibir cigarro em restaurante? Faz. Num restaurante de não-fumantes, sim. Mas por que não pode haver um outro para fumantes? Sei, cigarro predispõe ao câncer. No limite extremo, as pessoas têm o direito de optar por isso, por mais estranho que a muitos possa parecer. Ter de vir o estado para determinar: “É proibido fumar em local fechado”, sem abrir a brecha para seres privados fumarem em locais privados, previamente combinados, é uma estupidez da tentação legiferante.
“Ah, mas você é contra a descriminação das drogas no Brasil”. Sim, sou. Mas não posso ser contrário a que a pessoa decida cheirar cocaína até virar uma uva passa, ainda que eu ache que ela não deva fazê-lo. O que eu tenho com isso? No que respeita à organização social, no entanto, a minha restrição é de outra natureza: o Brasil não pode fazer tal opção sozinho. E, como não pode, a comercialização de determinadas substâncias constitui crime e é a base que financia o chamado “crime organizado”. Assim, é inescapável considerar que optar por consumir cocaína ou maconha faz do consumidor um elo da cadeia criminosa. E, segundo cá o meu tribunal, o certo seria que respondesse por isso.
Mas não quero que essa questão da droga — falo dela porque é recorrente — contamine o espírito do texto: ser contra a manada. As imposições politicamente corretas mundo afora (com maior determinação no Brasil) fazem justamente isto: tiram do indivíduo o direito à arbitragem e tentam, o que é grave, perigoso, cassar o direito à opinião. Peguemos o tal projeto que criminaliza a chamada “homofobia”: ora, as leis já punem a discriminação de homossexuais. Ir além disso, tentando policiar a linguagem, é avançar no arbítrio individual. “Ah, e se o sujeito pregar a organização de hordas para intimidar homossexuais?”. Bem, aí é crime — ou melhor: isso já é crime.
O mesmo vale para publicações desta ou daquela natureza. Alguns militantes islâmicos que hoje acusam a existência de “islamofobia” no mundo acham perfeitamente aceitável que sua religião persiga um escritor acusado de... ofender o Islã! E o que é, afinal, que ofende o Islã? Bem, só sendo islâmico para sabê-lo. Aí não dá. Devemos nos subordinar a eles? Eu acho que não. Como acho uma bobagem que se proíba a publicação de Mein Kampf, dos Protocolos ou de livros que neguem o Holocausto. Negar pode: não pode é se organizar em hordas — ou pregar tal organização — para perseguir judeus. Peguem o caso do delinqüente Mahmoud Ahmadnejad, presidente do Irã: ele afirma que o fato de alguns países ocidentais proibirem a publicação de livros revisionistas é exemplo de que a revisão faz sentido...
O espírito da democracia está contido na máxima de Tocqueville de que os males da liberdade se corrigem com mais liberdade — desde que, é claro, você não permita que grupos organizados solapem as bases do sistema que supõe a convivência entre as diferenças. Não posso corrigir o mal do terrorismo com mais liberdade ao terror, por exemplo: afinal, ele não pretende dialogar com o “outro”, mas eliminá-lo. Então, do ponto de vista da democracia, trata-se de um mal essencial.
Tenho horror a isso que chamo espírito de manada — ainda que uma manada pequena, minoritária. Faço uma brincadeira com Fernando Pessoa, assim: “Como sou Rei(naldo) absoluto da minha simpatia, basta que ela exista para que tenha razão de ser”. Não é uma apologia da incoerência, mas do individualismo.
Sou, por exemplo, católico e compreendo que os católicos considerem pecanimosa a prática homossexual. Na sua Igreja, têm todo o direito de criar obstáculos à admissão de homossexuais na hierarquia — embora a tarefa, convenham, ande um tanto difícil, não é mesmo? Mas eles existem na sociedade — constituem, desde sempre, uma parcela da humanidade —, e são seres de direito. Têm de estar abrigados pelas leis como qualquer um de nós. Sou contra o tal projeto que pune a homofobia porque o considero autoritário e contraproducente, já disse as razões, não porque, como asseguram alguns apocalípticos, os gays estão tomando conta do mundo. Isso é de uma tolice sem tamanho. Daqui a pouco vai ter gente dizendo que os sodomitas são culpados pelos terremotos. Qual é...
Aí um católico bravo comigo — ele até decidiu me excomungar; será que já virou papa? — afirma estar muito decepcionado; segundo ele, Deus ama o homossexual desde que este não pratique o ato nefando. Não vou entrar no mérito religioso da consideração, que daria pano pra manga, e prefiro me ater à questão, digamos, puramente civil: acho absurda a proposição que condene alguém à solidão Ela me parece muito pouco amorosa. E isso nada tem a ver com a pletora de tolices que se dizem por aí sobre as virtudes do “fim da família tradicional” e outras bobagens para alimentar publicações ligeiras, de entretenimento.
O que eu não quero é o estado vigiando e determinando o que posso dizer ou não, o que posso pensar ou não, o que posso fazer ou não. Precisamos, sim, de uma Constituição que garanta a todos a igualdade perante as leis e que assegure, vejam só, o direito às desigualdades — porque somos desiguais. Se e quando grupos organizados ameaçarem o direito à igualdade legal, então é correto e desejável que o estado se faça presente, por meio da Justiça, para restaurar esse direito agravado.
Mas calma lá. É preciso tomar muito cuidado com o “estado sábio”, dotado de suposta neutralidade moral, que venha nos dizer o que é e o que não é saudável PENSAR.
ESSE MUNDO CHAMADO JOÃO by Daniel Piza

O ano de 1956 foi marcante para o Brasil. Foi o ano em que Juscelino Kubitschek tomou posse e Oscar Niemeyer fez seu primeiro prédio em Brasília; em que o movimento concretista despontou em São Paulo, cinco anos depois da exposição do escultor suíço Max Bill na Bienal de Arte; em que João Cabral de Melo Neto publicou Duas Águas, volume que continha os inéditos Uma Faca só Lâmina e Morte e Vida Severina, e Clarice Lispector terminou seu romance A Maçã no Escuro; em que Tom Jobim começou a compor as canções de Orfeu da Conceição com o poeta, crítico e diplomata Vinicius de Moraes; em que Pelé, com apenas 15 anos, iniciou sua carreira no Santos; e em que muitos mais eventos ajudariam a dissipar a modorra pessimista cujo maior sintoma tinha sido o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Porém, 1956 seria, acima de tudo, o “annus mirabilis” de João Guimarães Rosa, com a publicação em janeiro de Corpo de Baile e em maio de Grande Sertão: Veredas, este sua obra-prima, a obra-prima da literatura brasileira no século XX.
Guimarães Rosa, que nasceu em 27 de junho de 1908, cerca de três meses antes da morte de Machado de Assis, e morreria em 19 de novembro de 1967, havia dez anos não publicava livro nenhum. Mas isso nada queria dizer. Ou melhor, queria dizer que ele estava trabalhando muito, nas sete novelas que compõem Corpo de Baile e no monumental romance de mais de 600 páginas Grande Sertão: Veredas. Afinal, em Sagarana (1946) havia conscientemente atingido a voz que desejava para sua literatura, uma dicção de fábula crítica que mescla o regional e o universal. Devemos, portanto, comemorar também os 60 anos de Sagarana, livro aclamado que Rosa também levara dez anos para publicar desde que escreveu seus primeiros contos. Antes dele, lançara apenas Magma, em 1936, coletânea premiada de poemas que, no entanto, lida hoje, revela apenas o quanto sua prosa é que liberou sua poesia.
Naquele decênio a vida de Rosa foi agitada. Diplomata, foi nomeado chefe de gabinete do ministro João Neves da Fontoura em 1946 e enviado a Paris como membro da delegação à Conferência de Paz, que decidiria o mapa geopolítico depois da Segunda Guerra. Em 1948, foi enviado à Conferência Panamericana em Bogotá, a qual traria importantes avanços na legislação sobre direitos humanos e políticos. Em seguida voltaria a Paris como primeiro secretário e conselheiro da embaixada, ficando lá até 1951, quando novamente se estabeleceu no gabinete de Fontoura no Rio de Janeiro. Mas a preocupação principal de Rosa era com a literatura. Ainda quando estudante de Medicina em Belo Horizonte, na segunda metade dos anos 20, passava boa parte do tempo escrevendo contos, alguns dos quais enviou à revista O Cruzeiro e foram premiados. Depois, soldado na Revolução Constitucionalista de 1932 e oficial-médico da infantaria em Barbacena, também não desperdiçava tempo livre e escrevia seus contos e poemas. Além disso, aprender línguas era seu maior prazer.
A decisão de concorrer ao Itamarati em 1934, portanto, fazia sentido. Rosa, que passou em segundo lugar, falava fluentemente inglês, francês, espanhol, italiano e alemão, além de ler em latim e grego. (Mais tarde, aprendeu a ler também em russo, para ler Dostoievski; em chinês, para ler Confúcio; em árabe, para ler As Mil e Uma Noites; em dinamarquês, para ler Kierkegaard; e outras.) O conhecimento da língua e da literatura alemãs – de Goethe, Thomas Mann, Robert Musil, Kafka, Rilke, Freud – teria a chance de aprimorar em Hamburgo, seu primeiro posto no exterior, como cônsul-adjunto, a partir de 1938. Em 1942, quando Getúlio Vargas se bandeou para o outro lado e o Brasil rompeu com a Alemanha, Rosa, que ajudou a fuga de alguns judeus, chegou a ficar um período internado em Baden-Baden, ao lado do pintor Cícero Dias. No mesmo ano voltou ao Brasil e foi enviado a Bogotá como secretário da embaixada. Lá seguiria até a nomeação por Fontoura.
Numa conversa com o crítico Günter Lorenz, em 1965, Rosa chamaria essa sucessão de carreiras como um paradoxo: “Como médico, conheci o valor místico do sofrimento; como rebelde, o valor da consciência; como soldado, o valor da proximidade da morte”. Quanto ao diplomata, definiu como “sonhador” que tenta consertar o que os políticos estragaram. Rosa disse mais: disse que esses valores constituem a espinha dorsal de Grande Sertão. Foram as experiências que formaram seu “mundo interior”. Mas acrescentou: “Também configuram meu mundo a diplomacia, o trato com cavalos, vacas, religiões e idiomas”. Diante dos comentários de Lorenz sobre seu dom para os idiomas, Rosa preferiu a ênfase nos cavalos e nas vacas. “Minha casa é um museu de quadros de vacas e cavalos. Quem lida com eles aprende muito para sua vida e a vida dos outros.” E contou que, quando ouvia alguém narrar uma tragédia, dizia: “Se olhares nos olhos de um cavalo, verás muito da tristeza do mundo”. A erudição de Rosa ia dos clássicos do português arcaico ou da literatura persa aos cavalos e às vacas – e de tudo ele aprendia alguma coisa.
Um momento marcante na vida de Rosa, que dizia que um homem não deve separar biografia e obra, foi uma viagem de dez dias pelo norte mineiro em 1952, acompanhando uma vaquejada nas imediações do rio São Francisco, onde anotou cantos, anedotas, prosódias, nomes da fauna e da flora e verificou de novo que o “homem do sertão” – expressão que preferia a “sertanejo” – é um “fabulista por natureza”. Rosa se dizia um homem do sertão, “meio vaqueiro”, pelo mesmo motivo. Sua maior ambição era conjugar poesia e realidade, e foi nas sagas e lendas – poemas escritos pela vida, não por técnicas ortodoxas – que encontrou seu material criativo. Pelo mesmo motivo dizia não ser um romancista, mas um autor de contos, de histórias morais, de aventuras com implicações metafísicas. Mesmo Grande Sertão, afirmava, é um conto, ou uma fusão deles. Com isso, estava querendo dizer que não era um ficcionista preocupado em descrever costumes e cotidianos, preso como um Zola ao que é contingente, efêmero, superficial.
Na sua definição de homem do sertão, assim, cabem muitos exemplos: Goethe, Dostoievski, Tolstoi, Balzac e Flaubert “nasceram no sertão”. E por quê? Porque conhecem os vazios da alma, os descampados do mundo, e são, no fundo, solitários. “O sertão é o terreno da eternidade, da solidão”, diz ele. “O sertão é dentro da gente.” Em outra passagem: “Este pequeno mundo do sertão, este mundo original e cheio de contrastes, é para mim o símbolo, o modelo de meu universo.” É no sertão que se depara abertamente com os paradoxos desse universo, com seus mistérios traduzidos em realidade. E isso se manifesta no uso da língua: “O idioma é a única porta para o infinito”; “Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço do infinito”; “Tudo é a ponta de um mistério”; “Ah, a dualidade das palavras!”. A própria existência da palavra – signo e coisa ao mesmo tempo – é paradoxal. E por isso cada uma delas, como recomendava nas cartas a seus tradutores Curt Meyer-Clason e Edoardo Bizzarri, deve trazer “algo de meditação ou aventura”. Tal como no homem do sertão, ação e especulação se mesclam, se confundem, se enriquecem mutuamente.
É importante notar que Rosa também diz que Riobaldo não pode ser confundido com Fausto e Raskolnikov, embora Goethe e Dostoievski sejam sertanistas. “Riobaldo é mundano demais para ser místico, místico demais para ser Fausto.” Sobre Raskolnikov, disse que Riobaldo não é culpado como ele, embora tenha uma culpa a expiar. Assim, o sertão é universal entre grandes escritores, mas cada um tem sua expressão. O sertão de Rosa – o sertão dos “gerais”, dos buritis e vaqueiros, do rio São Francisco, na fronteira entre cerrado e semi-árido – é peculiar. Nele o escritor vê outro modelo de universo, não fundado sobre a oposição entre misticismo e mundanidade, tampouco entregue ao sentimento de culpa. É um sertão que, como o jacaré ou o pai do conto A Terceira Margem do Rio, navega “de meio a meio”, entre duas margens, para tentar encontrar a felicidade na solidão.
Rosa chamou Corpo de Baile de um “ciclo de novelas”. Por isso elas ganharam um volume só quando do seu lançamento em janeiro de 1956. A partir da terceira edição, em 1964, ele foi desdobrado em três títulos: Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, no Pinhém e Noites do Sertão. O que os harmoniza é um tom mais lírico e afetivo do que se encontrara em Sagarana (especialmente em A Hora e Vez de Augusto Matraga, seu conto mais importante) e se encontraria em Grande Sertão. Manuelzão e Miguilim, por exemplo, tem Campo Geral, chamado de “poema” pelo autor: a história da infância “triste-contente” de Miguilim, a qual tem óbvios elementos autobiográficos como a famosa cena em que o menino, míope, põe os óculos e passa a descobrir um mundo bem mais nítido, a exemplo do ocorrido com João na Cordisburgo (palavra que, roseamente, contém “coração” e “cidade”, a simbolizar os paradoxos de sua literatura) onde viveu até os dez anos.
Em Noites do Sertão há cantos de amor e de natureza que ainda são subvalorizados pela crítica. Veja como Rosa descreve o vôo de um picapau em Buriti, uma das duas histórias (a outra é Dão-Lalalão): “passava um picapau-da-cabeça-vermelha, em seu vôo de arranco: que tatala, dando impulso ao corpo, com abas asas, ganha velocidade e altura, e plana, e perde-as, de novo, e se dá novo ímpeto, se recobra, bate e solta, bate e solta, parece uma diástole e uma sístole – um coração na mão –; já atravessou o mundo”. Não é à toa que o título do volume original nos faz pensar numa dança de palavras.
Já O Recado do Morro, em No Urubuquaquá, no Pinhém, tem um enredo simples e forte, sobre um homem, Pedro Orósio, o Pê-Boi, que durante a expedição de um naturalista alemão pelo sertão profundo é avisado de que será vítima de uma emboscada de traidores. Mas são curiosas as maneiras pelas quais lhe chega o alerta. Um velho eremita, Gorgulho, diz ter recebido do Morro da Garça (nomes que sugerem uma associação entre solidão, fala, orgulho e graça) o recado que transmite a mensageiros como o menino Joãozezim e o louco Nominedômine. Ele também passa por uma cantiga de rua e pela balada do poeta Laudelim, a qual Pê-Boi, alegre e bêbado, começa a cantar na festa que seria a da reconciliação. O recado de Rosa é claro: é pelo espectro da arte, da intuição e da natureza que vem a preservação da vida. Como ele disse a Lorenz: “O amor é sempre ilógico, mas cada crime é cometido segundo as leis da lógica”. Isso não significa, porém, que Rosa defendesse o irracionalismo. Como sugere a novela, ele queria uma parceria entre lógica e música, para que o homem não fizesse do raciocínio uma arma de desumanidade.
É por aí também que se deve ler Grande Sertão: Veredas, publicado em maio de 1956. Muitas pessoas têm dificuldade com o livro, pelo tamanho e pela linguagem. O melhor a fazer é, primeiro, passar por Sagarana e por pelo menos algumas histórias de Corpo de Baile, como as citadas. Depois, ao chegar a Grande Sertão, é persistir. Como toda poesia, a vontade de ler em voz alta é grande; tente com um sotaque levemente amineirado e um ritmo mais acelerado que o normal, e assim você achará a prosódia. A preocupação de Rosa com a oralidade é enorme, embora o uso de alguns sinais gráficos, com destaque para os dois pontos, possa às vezes não parecer. Não se preocupe, nessa leitura inicial, em entender toda expressão que desconhece. Com isso, verá que o texto flui e muito – com uma inesgotável oferenda de cenas, personagens, sons, imagens e pensamentos.
A narrativa toda é uma fala, as reminiscências de Riobaldo contadas por ele como uma série de causos a um interlocutor não identificado. Ele conta como pertenceu a bandos de jagunços e chegou a ser chefe, conhecido pelos outros como “Lagarta de Fogo” por sua pontaria certeira. Aí conhecemos personagens como Zé Bebelo, que o apadrinha, Hermógenes, que encarna o diabo, e Joca Ramiro, homem “de três alturas”. E ouvimos sua história com Reinaldo, filho de Ramiro, que deseja vingar o pai. Naquele mundo em que os homens se dividem entre ser jagunços e padres, e em que é preciso ter “dura nuca e mão quadrada” para sobreviver, Riobaldo narra sua atração física por Reinaldo, sem saber que na verdade se trata de uma moça, Diadorim. Este é o núcleo dramático da história.
Essa história já foi analisada por críticos de todas as vertentes em paralelo com outras de vários autores, como Goethe e Joyce (de quem Rosa não gostava, por ser “cerebral” demais), mas há uma aproximação subestimada com as tragédias gregas. Afinal, Riobaldo é como Édipo, ignorante em seu desejo, e só verá a verdade depois de uma catástrofe – a morte de Diadorim em luta com Hermógenes. E ela é como uma Electra, obrigada por dever filial a cumprir um código social (o pai anunciou seu nascimento como de um filho varão, portanto destinado a sucedê-lo no comando) e a esconder seu sentimento amoroso. Outros elementos – como o episódio do menino que é confundido com macaco e comido pelos jagunços no Suçuarão, o deserto que embaça a visão e se parece com o Tártaro, o inferno dos gregos – remetem diretamente ao drama clássico e a suas peripécias.
Riobaldo, ao mesmo tempo, é um protagonista moderno, em cujo fluxo de consciência somos mergulhados. Seu nome já indica a contradição do sertão, entre rio e vazio, assim como Diadorim ressoa a dilema, dicotomia, e a nome de pássaro, sempre prestes a voar. “Vaqueiro pode laçar o lugar do ar?”, pergunta Riobaldo. Sem conseguir capturar a natureza do que sente, ele é “o homem feito sertão”, na expressão de Rosa a Lorenz. E nesse sertão o diabo está “na rua, no meio do redemunho”, e não num plano superior ou inferior. Em Rosa tudo se mistura: infinito e circunstancial, cheio e vazio, interior e exterior, deus e diabo, erudito e popular, poesia e prosa, universal e local, cerebral e cordial, meditação e aventura. É interessante, por isso mesmo, notar que ele recusou o rótulo de “realismo mágico” ou “fantástico”, aplicado nos anos 60 a outros grandes autores latino-americanos como Alejo Carpentier, Gabriel García Márquez ou Mario Vargas Llosa. Não há em sua literatura a intervenção de espíritos reencarnados. Ele é místico, não esotérico, e místico de um tipo especial, de uma “metafísica particular”.
Essa metafísica particular, para ele, se cria a partir de uma única coisa: a língua. Não se confunda com linguagem, à maneira de seus leitores concretistas e formalistas. Rosa quer a língua viva, rica, em transformação contínua, não um conjunto de regras; um processo, não um procedimento. E, ao mesmo tempo que diz que a língua brasileira (a língua portuguesa como praticada no Brasil) lhe interessa por não ser saturada e que a quer purificar, incorpora recursos dos diversos outros idiomas que dominava. Para ele, à maneira de um Heidegger (mas sem as conseqüências doutrinárias de sua filosofia), cada idioma tem uma verdade interior, que só ele mesmo pode alcançar, e portanto é intraduzível. Para ajudar o idioma brasileiro a revelar sua verdade interior, sua “brasilidade” – indefinível, porém inconfundível –, Rosa pegou emprestados recursos dos outros, principalmente do alemão e do grego (palavras compostas, substantivação), para melhor uso das riquezas etimológicas de sua própria língua. É como se o português fosse maleável ao máximo.
Daí a mescla de sons maviosos com sons estranhos em sua prosa; sua capacidade de ir dos diminutivos mais afetivos (passarim) aos polissílabos mais sofisticados (alumbramento); seu gosto por adjetivos em que o som remete ao sentido (resvaloso) e por substantivos que derivam de verbo (rinchar); seu uso de advérbios, sem medo da extensão (pertencidamente), ao lado de expressões populares (“arre, o senhor mire e veja”) e proverbiais (“Tudo foi um ão e um cão”); seu emprego recorrente de palavras que afirmam pela negativa e vice-versa (deslembra); suas definições metafóricas, extraídas de exemplos da natureza, para sentimentos como o amor (“o sol entrado”); o índice maior de consoantes (pralaprá) e conectivos (“Quê que quer, ele era mais forte!”) em seu texto; a alternância de períodos longos e curtos. Ele explora todas as possibilidades da língua, ou melhor, ele as expande, com uma determinação que se pode dizer fundadora, embora – num paradoxo que ele mesmo apreciaria – calcada em suas origens mais antigas. O arcaico e o moderno, eis mais uma mistura roseana. “Acho que o sentir da gente volteia, mas em certos modos.”
É importante notar que essa determinação de Rosa pode, sim, ser associada à sua visão de Brasil. Para ele, Riobaldo era um símbolo do país, de sua eterna indefinição entre pólos, e no entanto dessa mesma indefinição é que poderia nascer a felicidade. Uma vez expiada sua culpa – a suposta culpa de ter feito pacto com um diabo que não existe –, ele goza de uma tranqüilidade, como diz ao interlocutor, e nisso está a diferença para com as tragédias gregas. O fato é que, para entender isso, precisou passar por provações e frustrações como as que passou. Só haveria felicidade na solidão, na prudência que nasce do coração e impede que o homem perca a sinceridade e a paz. Por isso mesmo Rosa não gostava que o chamassem de barroco, pois o sentido de sua aspiração não é para cima, não vai na direção de uma redenção. “O diabo não existe, por isso ele é tão forte” era seu provérbio sertanejo favorito. Riobaldo, diz ele, está além do bem e do mal no momento em que narra sua história.
Essa noção do que seria o Brasil para Rosa, a propósito, andou causando polêmica nos meios acadêmicos, simbolizada pela diferença entre os estudos recentes de Willi Bolle (grandesertão.Br) e Luiz Roncari (O Brasil de Rosa). Para uns, Rosa bebeu na fonte de Euclides da Cunha (Os Sertões) e descreveu um mundo atrasado, subjugado ao troca-troca entre oligarquias por meio da violência e da pobreza; para outros, ele defendeu a sentimentalidade desse mundo em face de uma civilização técnica, bélica, em que o afeto é reprimido. Rosa fez as duas coisas. Nesse sentido, tinha uma visão parecida com a de Machado de Assis – e não por acaso ambos escreveram um conto com o mesmo nome, O Espelho, onde fato e fantasia se confundem –, só que num registro otimista, diferente do que tinha o autor de Brás Cubas. O jogo de espelhos entre contrários, a percepção de que a realidade não pode ser reduzida a polarizações como corpo versus alma, é comum a ambos; mas em Rosa, num estado de espírito característico daquele 1956, dessa condição ambígua do brasileiro é que poderia vir um futuro grandioso. O estado atual do Brasil, 50 anos depois, parece sugerir que Machado estava mais perto da verdade ao mostrar que o preço dessa eterna indefinição é a sucessão de esperanças mal fundamentadas.
Aí está, porém, o grande legado estético de Rosa. Suas idéias místicas sobre o cosmos e sua crença no Brasil país-do-futuro jamais aprisionaram sua arte, assim como o dito pessimismo de Machado não o impediu de liberar humor e informalidade característicos em seus textos. Isso porque Rosa, como Machado, não via na literatura uma função ideológica. Seu antimodelo eram autores como Jorge Amado ou Zola. “A política é desumana”, disse ele a Lorenz, “porque dá ao homem o mesmo valor que uma vírgula em uma conta.” E sobre o naturalista francês: “A tragédia de Zola consistiu em que sua linguagem não podia caminhar no ritmo de sua consciência”. Daí se seguiu um recado bem atual: “Hoje em dia (...) a maldição dos costumes é notada e os autores aceitam sem crítica a chamada linguagem corrente”.
A literatura de João Guimarães Rosa olha por baixo da linguagem corrente, da superfície dos costumes, para encontrar, como nos “rios profundos”, as idéias e os sofrimentos eternos dos homens. O que faz de sua metafísica uma arte duradoura é que seja particular, solitária, intransferível. Cinqüenta anos são poucos para dar conta de tal eternidade.
O PAÍS DE IDIOTAS E ESTADO-DEPENDENTES DE LULA E TEMPORÃO by Reinaldo Azevedo
José Gomes Temporão, o ministro da dengue, é um desastre. A instalação de máquinas de camisinha em 400 escolas é uma estupidez. Alguns cretinos inferem que escrevo isso porque me sinto moralmente ofendido. Tolice. Escrevo porque, reitero, o aporte teórico que sustenta a medida está obviamente errado.
Recuemos um pouco no tempo, a 7 de março do ano passado, aqui neste blog (em azul):
Lula lançou um plano para conter a disseminação da Aids entre as mulheres. E pediu o fim da “hipocrisia no país”. Mandou ver:
- "Vamos fazer o combate à hipocrisia no País. Preservativo tem que ser doado e ensinado como usar. Sexo tem que ser feito e ensinado como fazer, somente assim teremos um País livre da aids";
-"Não tem como carimbar na testa de um adolescente quando é momento de começar a fazer sexo. Sexo é uma coisa que quase todo mundo gosta, é uma necessidade orgânica do ser humano, portanto o que nós precisamos fazer é ensinar";
-"É preciso melhorar a massa encefálica dentro do cérebro para as pessoas compreenderem que as mulheres devem ser respeitadas".
As considerações de Lula sobre moral sexual e escolhas individuais não devem nada a seu conhecimento sobre anatomia. “Massa encefálica dentro do cérebro” é o mesmo que dizer “massa cerebral dentro do cérebro”. Lula é uma ignorância redundante.
As escolas do país de Lula não conseguem ensinar português e matemática. Mas ele tem a ambição de que o governo ensine as pessoas a fazer sexo, “uma necessidade fisiológica do ser humano”. A que ponto chegamos...
Fazer um discurso ligeiro como esse num país em que a gravidez na adolescência é um grave problema é coisa de gente irresponsável. As meninas não engravidam porque seus parceiros, ou elas próprias, não usam camisinha. Engravidam porque estão fazendo a escolha errada. E continuarão a engravidar enquanto estiverem escolhendo mal. Porque também será uma má escolha não usar a camisinha ainda que possam usá-la.
Bobagem
Vocês conhecem os adolescentes, não? Todos nos já passamos por essa fase um dia. A tal máquina, em vez de induzir a responsabilidade, tende a virar um pólo de atração e a impor a prática sexual precoce a quem eventualmente não se sinta ainda preparado para tanto, especialmente entre os rapazes. Acho que não preciso explicar por quê. No caso das meninas, as que conseguirem superar o constrangimento correm o risco de ficar marcadas na escola — “foram vistas nas máquina”.
Temporão não se dá conta do tamanho da sua irresponsabilidade. É preciso ter pisado numa sala de aula um dia para que se tenha noção do tamanho da bobagem. Não haverá curso de educação sexual que consiga dar conta dos prejuízos. Se o governo quer distribuir camisinhas — não estou entre os que acham esta uma política correta, mas não trato disso agora —, que o faça de forma eficiente na rede pública de saúde municipal, estadual e federal. Na escola, não. Na escola, é um convite à pratica sexual, uma papel que não cabe à educação.
Trata-se, também, de uma intromissão estatal indevida na educação familiar. Ainda que o filósofo Lula e Temporão, o Comissário do Povo para Assuntos Sexuais, queiram tirar do sexo o seu caráter de opção moral, não conseguirão. Uma coisa é ministrar informações objetivas nas aulas — ainda que eu duvide da eficiência do procedimento —, outra, diferente, é interferir de forma tão invasiva em escolhas privadas.
Temporão não sabe como controlar mosquitos da dengue. Ele conta apenas com o frio para reverter o flagelo da doença. Também não sabe como fazer um sistema de saúde funcionar com R$ 40 bilhões a mais ou a menos. Noto que ele produziu a miséria no setor com a grana da CPMF. Mas ele quer ser o nosso Marquês de Pombal dos costumes. Quer ser um reformador. E certamente acredita estar afrontando o que Marcelo Coelho, da Folha, talvez chame a “extrema direita católica”. Não por acaso, não faz tempo, enquanto os mosquitos infestavam silenciosamente o país, Temporão fazia barulho com a sua proposta de descriminar o aborto, que ele pretendia fosse feito pelo SUS, o mesmo que deixa os pacientes morrendo à mingua pelos corredores.
Os técnicos que endossaram esse programa estão mais interessados em contestar um padrão que consideram “conservador” do que em combater, de fato, a disseminação do vírus da aids.
E há, obviamente, a questão de fundo, que é a cultura dos estado-dependentes que se está criando no país. Como bem escreveu aqui certa feita um leitor:
Vai transar? O governo dá camisinha.
Já transou? O governo dá pílula.
Engravidou? O governo dá o aborto.
Teve filho? O governo dá o Bolsa Família.
Tá desempregado? O governo dá bolsa desemprego.
Vai prestar vestibular? O governo dá o bolsa cota.
Não tem terra? O governo dá o bolsa invasão e ainda aposenta.
É um circulo vicioso manejando a manada.
E é do espírito de manada que trata o texto abaixo.
Sunday, June 22, 2008
If Politicians Were Honest, Here's What They'd Say
~George Mason Economist
POR QUE NÃO ME UFANO by Daniel Piza
Pode ser que ele esteja maluco by João Ubaldo Ribeiro
Sei que, para os lulistas religiosos, a ressalva preliminar que vou fazer não adiantará nada. Pode ser até tida na conta de insulto ou deboche, entre as inúmeras blasfêmias que eles acham que eu cometo, sempre que exponho alguma restrição ao presidente da República. Mas tenho que fazê-la, por ser necessária, além de categoricamente sincera. Ao sugerir, como logo adiante, que ele não está regulando bem do juízo, ajo com todo o respeito. Dizer que alguém está maluco, principalmente alguém tido como sagrado, pode ser visto até como insulto, difamação ou blasfêmia mesmo. Mas não é este o caso aqui. Pelo menos não é minha intenção. É que às vezes me acomete com tal força a percepção de que ele está, como se diz na minha terra, perturbado da idéia que não posso deixar de veiculá-la. É apenas, digamos assim, uma espécie de diagnóstico leigo, a que todo mundo, especialmente pessoas de vida pública, está sujeito.
Além disso, creio que não sou o único a pensar assim. É freqüente que ouça a mesma opinião, veiculada nas áreas mais diversas, por pessoas também diversas. O que mais ocorre é ter-se uma certa dúvida sobre a vinculação dele com a realidade. Muitas vezes - quase sempre até -, parece que, quando ele fala “neste país”, está se referindo a outro, que só existe na cabeça dele. Há alguns dias mesmo, se não me engano e, se me engano, peço desculpas, ele insinuou ou disse claramente que o Brasil está, é ou está se tornando um paraíso. Fez também a nunca assaz lembrada observação de que nosso sistema de saúde já atingiu, ou atingirá em breve, a perfeição, até porque está ao alcance de qualquer cidadão, pela primeira vez na História deste país, ter absolutamente o mesmo tratamento médico que o presidente da República.
Tal é a natureza espantosa das declarações dele que sua fama de mentiroso e cínico, corrente entre muitos concidadãos, se revela infundada e maldosa. Ele não seria nem mentiroso nem cínico, pois não é rigorosamente mentiroso quem julga estar dizendo a mais cristalina verdade, nem é cínico quem tem o que outros julgam cara-de-pau, mas só faz agir de acordo com sua boa consciência. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida e aceitar piamente que ele acredita estar dizendo a absoluta verdade.
Talvez haja sinais, como dizem ser comum entre malucos, de uma certa insegurança quanto a tal convicção, porque ele parece procurar evitar ocasiões em que ela seria desmentida. Quando houve o tristemente célebre acidente aéreo em Congonhas, a sensação que se teve foi a de que não tínhamos presidente, pois os presidentes e chefes de governo em todo o mundo, diante de catástrofes como aquela, costumam cumprir o seu dever moral e, mesmo correndo o risco de manifestações hostis, procuram pessoalmente as vítimas ou as pessoas ligadas a elas, para mostrar a solidariedade do país. Reis e rainhas fazem isso, presidentes fazem isso, primeiras-damas fazem isso, premiers fazem isso. Ele não. Talvez tenha preferido beliscar-se para ver ser não estava tendo um pesadelo. Mandou um assessor dizer umas palavrinhas de consolo e somente três dias depois se pronunciou a distância sobre o problema. O Nordeste foi flagelado por inundações trágicas, o Sul assolado por seca sem precedentes, o Rio acometido por uma epidemia de dengue, ele também não deu as caras. E recentemente, segundo li nos jornais, confidenciou a alguém que não compareceria a um evento público do qual agora esqueci, por temer receber as mesmas vaias que marcaram sua presença no Maracanã.
Portanto, como disse Polônio, personagem de Shakespeare, a respeito do príncipe Hamlet, há método em sua loucura. Não é daquelas populares, em que o padecente queima dinheiro (somente o nosso, mas aí não vale) e comete outros atos que só um verdadeiro maluco cometeria. Ele construiu (enfatizo que é apenas uma hipótese, não uma afirmação, porque não sou psiquiatra e longe de mim recomendar a ele que procure um) um universo que não pode ser afetado por cutucadas impertinentes da realidade. Notícia ruim não é com ele, que já tornou célebre sua inabalável agnosia (“não sei de nada, não ouvi nada, não tive participação nenhuma”) quanto a fatos negativos. Tudo de bom tem a ver com ele, nada de ruim partilha da mesma condição.
Agora ele anuncia que, antes de deixar o mandato, vai registrar em cartório todas as suas realizações, para que se comprove no futuro que ele foi o maior presidente que já tivemos ou podemos esperar ter. Claro que se elegeu, não revolucionariamente, mas dentro dos limites da ordem (?) jurídica vigente, com base numa série estonteante de promessas mentirosas e bravatas de todos os tipos. Não cumpriu as promessas, virou a casaca, alisou o cabelo, beijou a mão de quem antes julgava merecedor de cadeia e hoje é o presidente favorito dos americanos, chegando mesmo, como já contou, a acordar meio aborrecido e dar um esbregue em Bush. Cadê as famosas reformas, de que ouvimos falar desde que nascemos? Cadê o partido que ia mudar nossos hábitos e práticas políticas para sempre? O que se vê é o que vemos e testemunhamos, não o que ele vê. Mas ele acredita o contrário.
Acredita, inclusive, nas pesquisas que antigamente desdenhava, pois os resultados o desagradavam. Agora não, agora bota fé - e certamente tem razão - depois que comprou, de novo com o nosso dinheiro, uma massa extraordinária de votos. Não creio que ele se julgue Deus ainda, mas já deve ter como inevitável a canonização e possivelmente não se surpreenderá, se lhe contarem que, no interior do Nordeste, há imagens de São Lula Presidente e que, para seguir velha tradição, uma delas já foi vista chorando. Milagre, milagre, principalmente porque ninguém vai ver o crocodilo por trás da imagem.
'É que, às vezes, me acomete a percepção de que ele está, como se diz na minha terra, perturbado da idéia'
'Ao sugerir que o presidente não está regulando bem do juízo, ajo com todo o respeito'
Saturday, June 21, 2008
Criação de riqueza by GUSTAVO FRANCO
Todas.
Quinze anos depois, este mesmo cheque teria de ser quase vinte vezes maior, de US$ 1,6 trilhão; e o número de empresas abertas é menor, cerca de 400, sendo que exatas cem empresas estão listadas no Novo Mercado.
A comparação de valores em dólares envolve algum exagero, mas fácil de corrigir. O PIB em 1993 foi de US$ 429 bilhões, e, em 2007, atingiu US$ 1,3 trilhão. Assim sendo, a totalidade das companhias abertas brasileiras valia cerca do equivalente a 18% do PIB em 1993, e passou a valer 108% do PIB ao final de 2007.
São números impressionantes, cujo significado deve ser apreciado.
O leitor que acompanhou o processo de privatização, torcendo contra ou a favor, aprendeu que o valor de uma empresa é dado pelo valor presente do fluxo futuro de rendimentos.
A expressão "valor presente" é chave: significa o "desconto" que damos a um rendimento futuro pelo fato de que acontece depois, e não agora. Uma empresa pode valer mais por que acreditamos que o seu lucro será maior no futuro, ou por que o "desconto" sobre os seus resultados futuros será menor.
Parece pacífico que este segundo elemento, relacionado ao "preço do amanhã", para usar a expressão de Eduardo Gianetti, foi o grande impulso para o processo de criação de valor nos últimos 15 anos. Esta ampliação de horizontes reflete, sem dúvida, melhores "fundamentos" para a economia, os quais, por sua vez, são resultantes da melhoria brutal que houve na política econômica de 1993 a 2008.
No tempo da hiperinflação, ninguém considerava rendimentos que ocorriam depois de cinco anos.
Já em 1997, a República emitia o seu primeiro bônus de 30 anos pagando juros em dólares, e, agora nesta semana que passou, o Tesouro cogita vender no exterior um bônus de 30 anos em reais. Todos os horizontes se expandiram, tudo o que ocorre no futuro distante passou a ter muito mais valor.
Não há dúvida de que a velha piada sobre o livro de Stephan Zweig está perdendo o viço. É verdade que esta nova riqueza não é fictícia ou especulativa, pois não acho que esses adjetivos descrevam adequadamente o nosso futuro. Mas é certo que a nova riqueza é volátil, por que depende do futuro, que tem por ofício ser incerto. Aliás, como é o caso em qualquer parte do mundo.
Fuga da ilha prisão chamada Cuba

Raúl Castro, irmão de Fidel e seu sucessor, promoveu nos últimos meses algumas reformas econômicas destinadas a aliviar as agruras do dia-a-dia. Itens de consumo banais no restante do mundo estão agora acessíveis também na ilha. Os cubanos foram autorizados a se hospedar em hotéis, a comprar eletrodomésticos e aparelhos celulares. Como diz o ditado, muito pouco, muito tarde. As mudanças e o afastamento de Fidel (el comandante-en-jefe tornou-se irrelevante a ponto de bater boca publicamente com Caetano Veloso) não foram suficientes para convencer a população a esperar para ver no que vai dar. O número de cubanos que tentam fugir está no seu ponto mais alto desde 1994. Naquele ano, estrangulado pela crise econômica, Fidel liberou a emigração. No total, 37 000 pessoas tentaram chegar aos Estados Unidos por mar. De acordo com a Guarda Costeira americana, 3.846 cubanos lançaram-se ao mar nos últimos oito meses em direção à costa da Flórida, a 160 quilômetros de distância. Cerca de 40% deles foram interceptados no caminho.
"As tímidas reformas feitas por Raúl Castro não vão alterar a curto prazo a falta de perspectivas para os jovens cubanos", disse a VEJA o americano Andy Gomez, do Instituto de Estudos Cubanos da Universidade de Miami. O salário médio de um cubano é de 15 dólares por mês. Esse é o salário mínimo por duas horas de trabalho na Flórida. O movimento atual – que está sendo chamado de êxodo silencioso – tem características próprias. As fugas do passado ocorreram em embarcações precárias, algumas vezes simples bóias de borracha, ou dependeram de barcos de resgate enviados por organizações humanitárias. O percurso atual é feito em lanchas motorizadas. São viagens agenciadas por cubanos exilados em Miami, donos de um lucrativo tráfico de fugitivos. O preço médio por imigrante é de 10.000 dólares.
A fuga também deixou de ser uma viagem direta aos Estados Unidos. Com o aumento do controle americano no Estreito da Flórida, um em cada três balseros prefere a travessia mais longa até a Península de Yucatán, no México. Ao desembarcarem, os fugitivos seguem por terra em direção ao norte do país. Ao contrário de outros imigrantes clandestinos vindos da América Latina, os cubanos não precisam atravessar o deserto nem burlar a vigilância policial. Graças a uma lei do governo Clinton que prevê asilo a todo habitante da ilha que pise em território americano – a Lei do Pé Seco –, ele só precisa se apresentar às autoridades na fronteira e receber o visto de residência nos Estados Unidos.
Tudo muito normal by Roberto Pompeu de Toledo
"Cimento social" é o nome marqueteiro do projeto de reforma das casas do morro carioca da Providência imaginado pelo senador e candidato a prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella. O cimento que une, camada por camada, a história que vai da concepção da obra à morte de três rapazes do morro, entregues por militares a traficantes de um morro rival, revela uma arquitetura que nada tem de excepcional. Ao contrário, e isso é que é digno de nota, inscreve-se da forma mais completa na normalidade em que estamos inseridos. Se não, vejamos:
Camada nº 1 – O senador apresenta sua idéia ao governo federal. O governo concorda em levá-la adiante, e o Ministério das Cidades aloca uma verba de 16,6 milhões de reais para sua execução. Em outras partes soaria estranho o patrocínio governamental a uma obra que diz respeito à agenda pessoal de um político, ainda mais um político-candidato a poucos meses da eleição. No Brasil não. A obra iniciou-se em fins do ano passado, com previsão para terminar até o fim deste ano. Quer dizer: seu período de maior velocidade e visibilidade coincidiria com a temporada eleitoral.
Camada nº 2 – O Exército é convocado para dar segurança aos trabalhos. Em outras partes surpreenderia que uma simples obra de embelezamento de fachadas, construção de telhados e pequenos reparos no interior das residências necessitasse de uma tropa a lhe prover segurança. Nos morros do Rio de Janeiro tal necessidade é vista como normal. Também surpreenderia que um órgão da administração pública, ou, mais que isso, uma instituição do estado, fosse posto a serviço do projeto pessoal de um político. Não no Brasil, onde o loteamento do governo é a regra. Dar soldados ao senador Crivella, do PRB (o mesmo partido do vice-presidente José Alencar), inscreve-se na mesma lógica de dar ministério ao PMDB e diretoria da Petrobras ao PSC.
Camada nº 3 – Antes de iniciada a obra (segundo algumas versões), emissários do senador Crivella negociam um acordo de paz com traficantes do morro. Nós não mexemos no seu negócio e vocês não mexem no nosso. Normalíssimo.
Camada nº 4 – Os soldados patrulham a obra, mas não se envolvem com o que se passa ao lado. São agentes do estado, para o qual o tráfico de drogas é crime, assim como o porte ilegal de armas, que é inerente à profissão de traficante, mas a missão se restringe a não deixar que a atividade bandida atrapalhe o andamento da obra. Se não atrapalha, pode continuar. Muito normal, num país em que, no inóspito território dos morros, a soberania do estado se recolhe.
Camada nº 5 – Os soldados, depois de meses de permanência, já se inserem, para o bem ou para o mal, no contexto local. Aparentemente, funcionam com rédea solta. Provocam e são provocados. Um advogado morador das redondezas dá queixa na polícia de espancamento, depois de ter sido obrigado a parar e identificar-se. Na manhã do sábado 14, os soldados julgam-se desacatados por três jovens que saíam de um baile funk. Detêm os rapazes. Normal.
Camada nº 6 – Que corretivo aplicar aos três moços? Ora, no mundo dos morros do Rio de Janeiro, mais retalhado em facções criminosas rivais do que os Bálcãs em etnias, divertido mesmo é entregar pessoas que vivem ao abrigo de uma facção à facção adversária. Os soldados pegam os moços da Providência e os entregam aos traficantes do Morro da Mineira. Em outras partes soaria estranho que agentes do estado se envolvessem em operação que equivale ao reconhecimento diplomático de organizações dedicadas ao crime e de seu direito de exercer a justiça. No Rio de Janeiro estão todos tão acostumados a elas... Por que os soldados também não estariam?
Camada nº 7 – Os corpos dos rapazes são recolhidos por um caminhão de lixo e despejados num lixão da Baixada Fluminense. Eram eles David Wilson Florêncio da Silva, de 24 anos, Wellington Gonzaga Costa, de 19, e Marcos Paulo da Silva, de 17. Morreram, coitados, mas tecnicamente não passam de "danos colaterais", como se diz em linguagem militar, numa cadeia rotineira de eventos. Os danos colaterais acontecem, que fazer? Às vezes os bombardeios não atingem povoações civis?
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O caso do Morro da Providência reacendeu a eterna discussão sobre o aproveitamento do Exército em operações de segurança. O.k., o Exército mostrou-se desastroso. Mas a polícia agiria melhor? Os desmandos da polícia, no Rio de Janeiro, têm uma história muito mais longa e fornida. Outra questão é: se o Exército não serve para isso, serve para quê? A resposta singela é que serve para a guerra, mas guerra contra quem? Há tempos que o país necessita de um debate sobre a função das Forças Armadas. Esse debate não se dá menos por responsabilidade dos militares do que dos políticos e da sociedade, um pouco por temor de entrar numa seara que, por herança da ditadura, ainda soa indigesta, mas no principal por puro e simples desinteresse.
Wednesday, June 18, 2008
CSS e primitivismo by Mailson da Nóbrega
As questões fiscais motivaram as mudanças institucionais que livraram os cidadãos do arbítrio dos governantes, viabilizando o sistema capitalista contemporâneo e a democracia. Iniciados no mundo anglo-saxônico do século 13, os avanços se estenderam a outras plagas, mas no século 19 passavam ao largo dos domínios ibéricos. Demoram a chegar ao Brasil.
O marco pioneiro das mudanças é a Carta Magna de 1215, imposta ao rei João Sem Terra pelos barões feudais ingleses em reação ao aumento de tributos. Sob a ameaça de guerra civil, o monarca aceitou regras que o impediam de criar tributos sem o consentimento dos barões, reunidos em parlamento. Não haveria tributação sem representação. A idéia virou lema da independência americana, que foi impulsionada pela rejeição à cobrança, pela metrópole, de impostos sobre o chá.
Pela Carta Magna, tributos criados somente seriam cobrados no exercício seguinte. Nascia o princípio da anualidade. Haveria exceção para o caso de necessidade de resgatar o rei das mãos de um poder estrangeiro ou de fazer cavaleiro o seu primogênito. Em 1688, a Revolução Gloriosa deu o poder supremo ao Parlamento. Os gastos públicos passaram a depender de prévia autorização legislativa, via Orçamento.
Nos EUA, que herdaram essas tradições, o Orçamento é levado a sério. As repartições públicas mandam servidores para casa se o Congresso não tiver autorizado dotação suficiente para pagar seus salários.
Nos países de boas instituições fiscais, aprovar o Orçamento é a principal missão do Parlamento. É por meio dele que se fixam as prioridades das políticas públicas, visando ao desenvolvimento e ao bem-estar geral. Daí por que o exercício fiscal no Hemisfério Norte coincide com o período do verão e não com o calendário e as festas de fim de ano. Os parlamentares entram em férias depois de aprovar o Orçamento.
Portugal não viveu essas transformações. Lá, os recursos do rei se confundiam com os do Tesouro. O Orçamento não tinha a relevância observada em outros países. Quando a família real se transferiu para o Brasil, dom João VI, o príncipe regente, governava sob o absolutismo. A corte era uma das mais atrasadas da Europa. Aí estão as nossas origens fiscais.
Até hoje, ainda não sabemos valorizar o Orçamento. O desprezo começa com os parlamentares, que adoram criar vinculações de receitas a despesas, como na educação. As vinculações constituem forma canhestra de estabelecer prioridades e impedem que os futuros legisladores tomem suas próprias decisões. Já o arbítrio tributário é consagrado na Constituição quando permite criar tributos arrecadatórios por decreto (IOF). Vários tributos são cobrados no exercício em que forem criados ou aumentados.
Com o consentimento do Congresso e da opinião pública, o Executivo interpreta que o Orçamento é "autorizativo". Mais de três séculos depois da Revolução Gloriosa, o presidente pode decidir se cumpre ou não o Orçamento. Salvo as despesas obrigatórias, ele escolhe o que gastar.
Nas discussões sobre a Emenda 29, vários parlamentares defenderam a criação de um tributo específico para financiar os gastos com a saúde, o que representa rematada ignorância em questões fiscais. Qualquer iniciante na matéria sabe que tais despesas devem ser cobertas por tributos gerais. Se a idéia valesse, seria preciso criar um tributo para a educação, outro para a defesa, outro para a Justiça e assim por diante. A barafunda imporia custos adicionais à sociedade e inibiria o desenvolvimento.
Essa visão equivocada foi base para justificar a CSS. Além disso, o projeto de regulamentação da Emenda 29 que havia sido aprovado no Senado criava uma nova vinculação de recursos para a saúde. Como se vê, a animadora modernização mental que ocorre em muitos segmentos da sociedade brasileira está longe de chegar a certos recantos do Congresso Nacional.
Felizmente, a CSS pode ser barrada no Senado. Com a maioria de apenas dois votos na Câmara, o projeto chega fraco ao Senado. Se passar, cairá no Supremo, pois é inconstitucional. A Câmara ao menos eliminou a vinculação.
*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria
Tuesday, June 17, 2008
Capitalismo de Estado
Monday, June 16, 2008
Capitalismo de estado: a "Quarta Via" by Reinaldo Azevedo

As denúncias de Denise Abreu, ex-diretora da Anac, sobre as lambanças praticadas pelo governo na venda da Varig ou a recente mudança promovida pela Anatel no Plano Geral de Outorgas para legalizar a compra da Brasil Telecom pela Oi (já que ela era ilegal) valem, por si mesmas, como crônicas do absurdo e expõem uma máquina governamental corroída pelo vício da corrupção, do compadrio, do tráfico de influência. Males, sem dúvida, antigos, mas que ganham uma dimensão particular com o PT. E é preciso que se aponte essa particularidade, o que pretendo fazer neste texto. Antes, uma constatação.
Vocês estão vendo a tabela acima? Ela indica o avanço da estatização da economia desde a chegada do PT ao poder. Em 2002, a participação acionária do estado no setor petroquímico era de 46%; no ano passado, já estava em 63%; nas termelétricas, saltou de 11% para 44%; na distribuição de combustíveis, foi de 24% para 32%. Os dados ilustram uma reportagem de Marcio Aith e Giuliano Guandalini, publicada na edição nº 2024 de VEJA, em 5 de setembro do ano passado (íntegra aqui — link aberto).
Encerrava-se assim o primeiro parágrafo daquele: “Voltaram com força as concepções, de resto testadas a reprovadas no passado, do ‘estado empresário’ e do ‘controle estratégico’ sobre setores econômicos. O capitalismo de estado fez sentido e teve seu auge no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979). Hoje se tornou anacrônico por perdulário, ineficiente e por criar terreno fértil para a corrupção. Um sinal claro e recente do inchaço do estado surgiu de um número simbólico, a chegada a 1 milhão do número de funcionários da União.” Só para registro à margem: o texto lembrava a contratação do funcionário público federal de número 1.000.000. Isto mesmo: um milhão. Quando Lula chegou ao poder, havia 810 mil. Sozinho, ele aumentou o funcionalismo em 23,45%. Adiante.
Há uma questão que é, vamos dizer assim, estrutural, que independe, em larga medida, do caráter do governante: quanto maior é o estado, quanto mais ele se mete na economia, quanto mais interfere na produção e na distribuição de bens ou na oferta de serviços, tornando-se um agente, não apenas um ente regulador, maiores são as chances de corrupção. E nem poderia ser diferente: aumentam enormemente os poros por onde entram as demandas político-partidárias. Ora, por que os partidos querem tanto cargos de direção na Petrobras, na Eletrobras, nos Correios? Porque querem serviços exemplares? Não! Cargo nessas empresas significa a chance de negociar com fornecedores, entenderam? E a roubalheira se institucionaliza. Não custa lembrar que o mensalão, que quase derruba Lula, nasceu de um capilé cobrado por um funcionário dos Correios. Se mesmo um caráter reto corre o risco de se corromper num estado gigante, imaginem o que acontece quando ele é torto já de natureza...
Está em curso, sim, senhores, o que VEJA apontava naquela reportagem de setembro do ano passado: a opção pelo CAPITALISMO DE ESTADO, que vem embalado numa cascata ideológica de aparente nacionalismo: “Precisamos ter uma grande empresa nacional de telefonia”; “Precisamos ter uma (ou duas) grande empresa de aviação”; “Precisamos ter o controle do setor petroquímico porque é estratégico”. Precisamos... Em suma, eles querem ter o controle da economia, também a privada, por intermédio do controle do que chamam “setores estratégicos”. E por que o empresariado, que deveria concentrar os nossos “liberais”, não reclama? Porque esse estado forte também é um negociante e gosta de vender facilidades.
Isso tudo é feito assim, à matroca, sem nenhuma teoria? Um tanto à matroca é, mas teoria existe. É bastante influente na América Latina, hoje, uma tese denominada “Quarta Via”, formulada por um economista alemão que dá aula na Universidade Autônoma do México e é grande guru de Hugo Chávez: Heinz Dieterich. Sua teoria comporta certa elasticidade para compreender tanto o estatismo mais xucro e quase pueril do presidente venezuelano como o estatismo mais profissionalizado e aparentemente menos hostil ao mercado do lulo-petismo.
A “Quarta Via”, como o nome sugere, descarta as outras três: o socialismo (nos moldes soviético ou cubano), o capitalismo à americana e a social-democracia de modelo europeu. O que seria a alternativa pressupõe isto mesmo que se está construindo (ou reconstruindo, já que tivemos o geiselismo, né?) no Brasil: o estado disciplina o mercado, mas não por causa da sua força normativa. Ele passa a ser também um jogador. Mais: este não é um estado qualquer, aquele que Dietrich acusaria de “burguês”. Ao contrário: ele deve estar sob o chamado “controle popular”. A “sociedade organizada” — no caso de chavismo, os “bolivarianos”; no caso do Brasil, os sindicatos — é que comanda a máquina.
Vamos avançar um pouco mais. Dietrich não fica apenas nos considerandos de natureza econômica. A Quarta Via deve buscar a união da América do Sul — inclusive a militar — para fazer frente aos Estados Unidos. Sua proposta é um pouco mais ousada do que o Conselho de Defesa Sul-Americano proposto por Nelson Jobim: ele defende a união militar sul-americana. Lembrem-se que era exatamente o que Chávez queria. De toda sorte, a retórica brasileira na defesa do tal Conselho, se bem se lembram, pretende que as questões locais sejam resolvidas fora do âmbito da OEA — porque, afinal, os Estados Unidos estão na Organização dos Estados Americanos... Quando se formou o alinhamento contra a Colômbia por conta da morte do terrorista pançudo, foram os EUA que livraram Uribe no massacre diplomático.
Durante o regime militar, toda estatal tinha sempre um coronel no comando ou, ao menos, no conselho executivo — muitas empresas privadas também os contratavam porque isso abria portas no establishment militar-burocrático. Os “coronéis” da hora são os petistas. Eles já se espalham pelas estatais, onde permanecerão por um bom tempo mesmo que o PT venha a perder as eleições, e também já têm assento no conselho de empresas privadas. Quando começaram a falar que Lula nomearia Jorge Viana, ex-governador do Acre, para o lugar de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, escrevi aqui: acho que Viana prefere ficar na Avibras, uma empresa privada de múltiplos interesses: de foguetes a veículos militares.
Sim, é preciso denunciar de maneira inequívoca a roubalheira como método de governo. E é preciso que se atente para o molde mais geral em que se encaixa a política lulista. Em setembro do ano passado, referindo-me ao capitalismo de estado à moda petista, escrevi: “Um estado gigante é também um estado mais poroso à ‘companheirização’. Na esfera política, com muito mais habilidade do que seus pares menos evoluídos na América Latina — os simiescos Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Corrêa —, Lula e seu partido atuam para tornar irrelevante a alternância de poder no país. Em certa medida, a sua anunciada pretensão de ser um novo Getúlio Vargas tem um quê além da bravata: o petista é realmente fascinado pelos defeitos do ex-ditador."
Sunday, June 15, 2008
Um editorial impecável no Estadão by Reinaldo Azevedo
Não tem nada de errado comigo, não, gente. É que tive alguns compromissos. Adiante. Impecável o editorial de hoje do Estadão, daqueles que eu gostaria de ter escrito. Fala por si.
*
Da Varig às teles, o mesmo jogo
Sob pressão do governo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou a reformulação do Plano Geral de Outorgas, que proibia que uma concessionária do setor de telefonia atuasse em mais de uma área, adquirindo congêneres em outras regiões. Extinta a proibição, como recomendara o Ministério das Comunicações, está aberto o caminho para se concretizar a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, mediante a compra da primeira pela segunda por R$ 5,8 bilhões. A consulta pública a que a decisão será submetida por 30 dias não deverá modificá-la - e a sua entrada em vigor está prevista para agosto. A votação, no âmbito da agência reguladora, foi acidentada, tendo sofrido três adiamentos. Os conselheiros se dividiram em relação a uma regra relativa aos serviços de banda larga. Quando o Planalto fez saber que poderia indicar um conselheiro substituto - que ficaria na função por apenas dois meses e não precisaria da aprovação do Senado - para dar o voto de desempate, dois dos recalcitrantes mudaram de posição e o impasse se dissipou.
Assim, no plano das aparências, o presidente Lula poderá alegar que o seu governo não feriu a autonomia da Anatel, como declara que não se intrometeu - contra todas as evidências apresentadas pela ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu - para assegurar a seqüência de transações que culminou com a venda da Varig para a Gol. No caso das teles, o envolvimento do governo foi exposto pelo ministro do setor, Hélio Costa. Antes mesmo que a Brasil Telecom e a Oi manifestassem interesse em se fundir, ele anunciou que isso iria acontecer, sabendo que o sistema de outorgas de concessões precisaria ser amoldado para tornar possível, do ponto de vista legal, a operação de que ninguém ainda tinha falado àquela altura. O reiterado argumento oficial de que o Brasil necessita de uma grande empresa no setor, uma supertele, para fazer frente aos conglomerados que enfeixam o sistema em escala global é um disfarce mambembe para a nítida intenção de favorecer a realização de uma transação comercial.
Esse é o dado substantivo, que se sobrepõe a eventuais polêmicas sobre as conseqüências da fusão para o País e, em especial, para a livre concorrência nessa área de ponta da economia contemporânea. Tudo indica que a desenvolta movimentação do governo é uma réplica de sua conduta no escandaloso processo da Varig. O jogo consiste, ao fim e ao cabo, em transformar a administração pública em corretora de negócios, como dissemos sexta-feira neste espaço, em que a presumível defesa do bem comum não se distingue do respaldo, este sim, efetivo, de interesses particulares familiarizados com o caminho das pedras que leva às alturas do poder federal. Essa promiscuidade assume por vezes aspectos grotescos. O exemplo da hora é o do anúncio de mais uma grande descoberta de petróleo em águas ultraprofundas da Bacia de Santos. Não foi a Petrobrás a dar a boa nova. Foi o ministro do Trabalho, Carlos Lupi - no exterior, ainda por cima.
Quinta-feira, à saída de uma reunião da ONU, em Genebra, Lupi se pavoneava de estar por dentro de um setor com o qual a sua Pasta não tem a mais remota relação. "Vocês ficarão sabendo nas próximas semanas", exibiu-se, falando das dimensões do reservatório - que, aliás, a Petrobrás não conhece. Só restou à Petrobrás confirmar o achado. Com esse deplorável pano de fundo, vem o presidente Lula produzir um destampatório contra a ex-diretora Denise Abreu e o "mau jornalismo" que acolheu as suas denúncias de interferência na Anac. O Estado foi o primeiro a publicá-las. Lula, que volta e meia assume o papel de observador da imprensa, disse que fica pensando "como é que algum jornal que acreditou (em Denise) vai sair dessa agora". Faria melhor se pensasse como ele próprio vai sair da história de intromissão e truculência no destino da Varig: decerto não será com grosserias dirigidas a quem viu de perto abater-se a mão pesada do governo nem com pretensas aulas de jornalismo.
Nem, tampouco, fingindo ignorar que o problema adquiriu outra envergadura, desde que o juiz José Paulo Magano, de São Paulo, acionou o procurador-geral da República para investigar possível "prática de ilícito penal" envolvendo a ministra Dilma Rousseff. Já que Lula aconselha aos denunciantes o "caminho jurídico", não tem do que reclamar.
Thursday, June 12, 2008
Wednesday, June 11, 2008
Port of the Year 2007 WINNER Puerto Costa Maya, Mexico

Amongst the region’s top 10 ports and the industry’s fastest growing, Mexico’s second transit port only six year’s after its inception, has become an example to follow. It’s unique offerings, pristine beaches, preservation of the area’s cultural heritage, uncompromised attention to guests and strategic development plan are key factors in its success.
PUERTO COSTA MAYA WINNER OF PORT OF THE YEAR. TEOFILO HAMUI, PRESIDENT ACCEPTS THE AWARD FROM MARY BOND, EDITOR SEATRADE INSIDER and TONY HEUER, PRESIDENT FIDELIO CRUISE
Taxes and Distortions by Jim Fedako
Taxation distorts more than the economy, it distorts all aspects of human action. Consider the young man at my door yesterday.
I heard the knock and opened. Before me stood this young man with a large box of candy and the identification card I know so well. As happens every so often, someone arrives at my door to sell candy for some never-quite-identified nonprofit organization. Now, I'm after the candy, the cause -- legit or otherwise -- is not my concern.
After the young man finished his pitch, I asked the price of the candy. Taken aback, he replies, "Oh, we don't sell candy. But, for an $8 donation, we offer one of these party bags of candy as a token of our appreciation." Hmmm.
OK, so with a wink and a nudge we align the verbal aspects of our trade in a manner that does not result in sales tax. I donate; he appreciates. With that, I bid him farewell, closed the door, and opened the bag of ten, individual-sized M&M packages. A sweet afternoon indeed.
Monday, June 09, 2008
Democracias de fachada by Eliana Cardoso
Eliana Cardoso
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Em 1900 não existia uma única nação em que todos os adultos (homens e mulheres) tivessem direito ao voto. Hoje 62% dos países do mundo se classificam como democracias e escolhem seus governantes em eleições mais ou menos livres. Como foi possível mudança tão radical?
Ora, como a democracia virou fonte de legitimidade, até mesmo ditadores - como Robert Mugabe no Zimbábue ou Hosni Mubarak no Egito - dedicam esforço e recursos na organização de eleições nacionais. A democracia eleitoral está em ascensão, mas o mesmo não acontece com a liberdade e os direitos civis.
Reduzir a democracia a eleições tem conseqüências. Pan Wei - uma estrela ascendente na Universidade de Pequim - diz que a China, sob um regime autocrático, vem se tornando mais aberta e liberal do que muitos países classificados como democracias. Lá, progressos na proteção de direitos individuais são mais visíveis do que na Rússia ou na Venezuela, considerados países democráticos.
Wei argumenta que adotar eleições para escolher o governo chinês não soluciona os problemas que hoje atormentam seu país - a corrupção da elite política e o fosso crescente entre pobres e ricos. Ao contrário, diz. Não falta gente rica interessada em eleger políticos em troca de favores governamentais.
Seria difícil discordar dele quando afirma que os benefícios da democracia não se confundem com os derivados da observância de leis eficientes e justas. Democracia eleitoral e proteção das liberdades individuais não são o mesmo fenômeno. A liberdade exige mais do que eleições, porque requer o respeito a instituições que defendem a dignidade do indivíduo e o protegem da violência do Estado, da igreja ou da própria sociedade.
Imagine a possibilidade de eleições livres no Egito colocarem no governo uma teocracia fundamentalista. A população sofreria coerções à liberdade ainda mais graves que as do regime de Mubarak. Além disso, não faltam governantes eleitos pela maioria da população que ignoram a liberdade de imprensa e os limites constitucionais à rotatividade do poder. Hugo Chávez é um exemplo gritante.
Mas Pan Wei vai além. Argumenta que os países em desenvolvimento erram ao adotar a democracia eleitoral sem dispor de instituições capazes de fazer os poderosos cumprirem a lei. Sua desconstrução do mito democrático pretende mostrar que, sem um regime legal, que imponha de fato limites ao poder e à corrupção, eleições apenas promovem os populistas. Por isso, o modelo preferido pelo governo chinês é o de Cingapura, que contrapõe as virtudes asiáticas - ordem, disciplina, responsabilidade, trabalho e poupança - aos pecados ocidentais - auto-indulgência, preguiça, desrespeito à autoridade, educação inferior e consumismo.
O caminho de Cingapura e Hong Kong foi criar um sistema de leis e pô-lo em prática. O crescimento econômico produziu um Produto Interno Bruto (PIB) maior e um aumento do bem-estar que abriram espaço para reformas, mercados competitivos e maior transparência na gestão do governo. Por isso o crescimento asiático, que se fez acompanhar de mudanças na gestão pública e na garantia de direitos individuais, parece demonstrar que a modernização industrial facilita a combinação de valores orientais e ocidentais.
Por outro lado, os países que abraçaram a democracia eleitoral sem criar os fundamentos legais e as garantias necessárias ao seu bom funcionamento acabaram caindo nas mãos de autocratas. A Rússia serve de exemplo. Os indicadores sociais despencaram depois da pilhagem das sobras do antigo regime na liquidação em massa das empresas do governo. Em seguida, o país (embora tido como uma democracia) entronizou um Estado que viola os direitos humanos e perpetua o poder de Putin.
O que dizer do sistema democrático brasileiro? Embora longe da perfeição, ele nos parece garantir, pelo menos, que não há mal que dure para sempre, porque o mandato de todo e qualquer governante tem um número limitado de anos. A garantia da rotatividade do poder nos protege, mas não impede que nos perguntemos o que nos falta.
Alan Blinder - professor da Universidade de Princeton que serviu ao governo americano na Casa Branca e no Federal Reserve (Fed) - observou que as questões eleitorais de curto prazo dominam a política econômica na Casa Branca, enquanto o Fed, ao tomar decisões de política monetária, considera os méritos sociais e econômicos de longo prazo. A separação das decisões do Fed de ponderações políticas eleitoreiras ocorre por três motivos: a política monetária só afeta a economia com uma defasagem de tempo; ela exige conhecimentos técnicos no manejo das taxas de juros; e requer paciência e mão firme, pois, na luta contra a inflação, a política monetária fere interesses e exige sacrifícios antes que seus benefícios se materializem. Portanto, ela só pode ser eficiente longe do ambiente dominado por considerações políticas de curto prazo.
O mesmo argumento a favor da autonomia se aplica a áreas do governo em que as decisões têm conseqüências duradouras e exigem considerações técnicas. Um exemplo dos males causados pela falta de autonomia das agências reguladoras no Brasil é o caso Varig, que indica a ocorrência de intromissões criminosas.
Caberia ainda considerar que o sistema tributário brasileiro se transformou num cipoal intricado e ineficiente em conseqüência da política democrática. Pode-se argumentar que uma agência afastada dos interesses políticos imediatos poderia criar um sistema mais simples e transparente.
Doce aspiração. Ela é inconcebível num país onde, ainda no exercício de seu mandato, o presidente do BC se permite fazer projetos políticos. Pode fazê-los, porque é ministro do presidente. Mas tamanha falta de recato reforça o argumento de Blinder a favor de um banco central sem subordinação política, com um mandato que não coincida com o do presidente da República.
Eliana Cardoso é professora titular da EESP-FGV
Site: www.elianacardoso.com
Números by Denis Lerrer Rosenfield
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Grande foi a repercussão de meu último artigo, Qual latifúndio? (26/5), por fornecer números que obrigam a uma releitura da questão fundiária no Brasil. Alguns leitores me solicitaram que expusesse as fontes utilizadas, pois, por economia de espaço, não o tinha feito. Outros me pediram dados adicionais sobre a população indígena, o que faço a seguir. Outros ainda ficaram indignados com os números, ou seja, com a realidade, por esta contrariar suas convicções. Não se pode brigar com os números. O peso da ideologia é tão grande que a realidade fica velada, mostrando tão-só, refratariamente, alguns dos seus contornos. Com os números, um enfoque mais verdadeiro se torna possível.
A área total do Brasil é de 8.514.215,3 km2, correspondente a 851.421.530 hectares, conforme dados do IBGE relativos ao Censo Demográfico de 2000. Não estão listados a seguir as cidades, os lagos, as estradas, as unidades de conservação ambiental, federal e estaduais, as terras inexploradas e outros usos. O total dos números agrários abaixo citados corresponde a 437.683.885 hectares, com variações pequenas, segundo a fonte escolhida.
Quanto à área dos estabelecimentos agropecuários por utilização das terras, usei a Tabela 559, do IBGE, relativa ao Censo Agropecuário de 2006, realizado em 2007. Eis os números precisos da utilização das terras: lavouras permanentes, 18.805.587 hectares; lavouras temporárias, 57.891.737 hectares; e pastagens, 172.333.073 hectares.
Quanto à área de florestas plantadas, utilizei os dados da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas (Abraf) extraídos do seu Anuário Estatístico 2008, relativos ao ano-base de 2007: 5.560.203 hectares.
Quanto aos dados relativos aos assentamentos, utilizei o Incra como fonte. Eis os números, tendo como base 2007. Total da área: 77.421.282 hectares, correspondentes a 7.945 projetos de assentamentos.
Se somarmos o total das áreas de lavoura permanente, de lavoura temporária e de florestas plantadas, chegaremos ao número de 82.257.527, muito próximo da área do total de assentamentos, 77.421.282. No artigo anterior, os números foram arredondados, tendo utilizado uma tabela preliminar. Agora estão atualizados.
Quanto às áreas indígenas, utilizei a Funai como fonte. Eis os números correspondentes a 2006: 105.672.003 hectares. Assim divididos: regularizadas, 92.219.200; homologadas, 3.599.921; declaradas, 8.101.306; e delimitadas, 1.751.576. O IBGE trabalha com o número de 106.359.281 hectares, correspondente a 12,5% do território nacional. O Serviço Florestal Brasileiro fornece outro dado relativo a julho de 2007, de 109.133.000 hectares de terras indígenas, tratando-se, portanto, de um número mais atualizado. Teria havido um acréscimo, em relação ao número da Funai, de 3.460.997 hectares.
Quanto à população indígena, os números são díspares, variando conforme a fonte e as estimativas. Segundo a Funai, o Brasil contaria com uma população indígena de 358 mil pessoas, conforme informava o seu site há 20 dias. Ela fornece, agora, para junho de 2008, outra cifra. Cito: "Hoje, no Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,25% da população brasileira. Cabe esclarecer que este dado populacional considera tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias, havendo estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também 63 referências de índios ainda não-contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista."
Por sua vez, o ex-presidente da Funai Mércio Pereira Gomes estimou, em abril de 2006, a população indígena em 450 mil pessoas. Segundo o Instituto Socioambiental, partindo do princípio de que não existe um censo indígena no Brasil, os números variam entre 350 mil e mais de 700 mil, conforme as fontes utilizadas, o que corresponderia a entre 0,2% e 0,4% da população brasileira.
O IBGE, segundo o estudo Tendências Demográficas: uma Análise dos Indígenas com Base nos Resultados da Amostra dos Censos Demográficos 1991 e 2000, divulgado em 2005, com números estimados de 2000, trabalha com os seguintes números: no total, são 734.127 índios - divididos entre 383.298 de população urbana e 350.829 de população rural. Logo, para efeitos de demarcação de terras, valeria o número de 350.829 de população rural, aí incluídos os que vivem em zonas rurais não-indígenas. Os demais já são índios urbanos, aculturados, que necessitariam uma política específica de integração, que não é a de demarcação de terras. Ademais, ainda segundo o IBGE, as maiores taxas de crescimento se registraram em áreas urbanas, sobretudo devidas a processos de auto-identificação. Ou seja, trata-se de um problema cultural relativo à identificação desse grupo étnico, desvinculado também de questões de ordem fundiária. O IBGE destaca ainda o fenômeno da imigração de índios da Bolívia, do Equador, do Paraguai e do Peru. Neste caso, o Brasil estaria internalizando um problema de outros países latino-americanos.
Por último, a estimativa de áreas ditas quilombolas no Brasil, segundo os pleitos em curso, seria de 25 milhões de hectares, segundo fontes do Incra utilizadas pelo Estado de São Paulo, em 12 de agosto de 2007. Esses números foram citados em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e de Minorias da Câmara dos Deputados, em 11 de setembro de 2007, com a presença dos presidentes da Fundação Palmares e do Incra. Não houve contestação. Para se ter uma idéia do que isso representa, a área do Estado de São Paulo é de 24,8 milhões de hectares. Ainda segundo outras estimativas, este número estaria subestimado, podendo alcançar uma cifra bem maior.
Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia
na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.b
Saturday, June 07, 2008
september 11th
Chairman Greenspan cited Martin Feldstein paradox about Cellphone service in India
THE HISTORY OF COSTA MAYA FOOD SERVICE

The story of CMFS began in Costa Maya in 2001 when
The outstanding reputation of Bandito’s led to the creation of Mamasita’s.The Mamasita’s Restaurant location is across the pool in Costa Maya port. Mamasita’s features gourmet Mexican fast food, whole fresh Fish dishes and a variety of tacos and snacks. They evoke the feelings of the great
It will be no longer before CMFS Restaurants expanded to other ports and abroad. In 2002 CMFS was completely operational with its 3000 square meters facility called Comissariato and became a destination spot for breakfast and lunch to all port employees. The CMFS operations at the Comissariato include a buffet style, Seafood restaurant caleed Chuck kay with affordable prices, a convenience store and a laundry facility.
Because Costa Maya Food service treats each and every customer and employee as a member of the family and because of the comfortable atmosphere, the restaurants have continued to maintain a loyal followingcustomers and a low turn over of employees.
All of our restaurants have attracted crew members as well as passengers of the cruise ships. Ing Isaac Hamui, founder of Costa Maya port is a frequent customer at Bandito’s Restaurant. Frequently Bandito’s catered Mr. Hamui’s Birthday Party’s at the Porto Costa Maya.
Political movers and shakers though, are not the only guests who frequent Bandito’s Restaurant when visiting Costa Maya Port.Celebrity diners have included
Costa Maya Food Service dedicates a great deal of time and money to giving back to the community, especially training and preparing people to perform tourism related duties at the local area and abroad. In 2003, the company will certify 3 managers that form that date on would be able to train and certified people from Mahahual town.
The CMFS training team will donate their time o prepared prospects to work with the local community and their visitors, CMFS also sponsor events like Mother’s and children day’s in Mahahual and the Coca-cola fishing tournament.
The recipe that CMFS has created based upon excellent service, loyalty, honesty and professionalism is truly a huge success. It will be passed on to generation after generation and will continue in all future of CMFS and the development of the Costa Maya project.
Buon Provecho!

