Saturday, August 30, 2008

Skibunda ,Fortaleza Ceara- BR

Gustavo Quattrone at Governor's Speech in Chetumal, Quintana Roo-MX

Entrevista na Veja de James Roberts -Por uma economia livre



Pesquisador da Heritage Foundation, dos Estados Unidos,
diz que o "capitalismo de comparsas" cresce na América Latina


Duda Teixeira
Divulgação
"Muitos governantes usam os impostos e a burocracia para massacrar os empreendedores, que vêem como uma ameaça"

O economista americano James Roberts, de 58 anos, é coordenador do índice de liberdade econômica da Heritage Foundation, entidade de promoção de políticas liberais com sede em Washington, nos Estados Unidos. A lista elaborada por Roberts compara a facilidade com que cidadãos de diferentes países conseguem começar um negócio, escolher um emprego, tomar dinheiro emprestado ou usar o cartão de crédito. Publicado anualmente desde 1995, o ranking tornou-se um termômetro da saúde e da eficiência das economias nacionais. Antes de assumir essa função, Roberts trabalhou no Departamento de Estado durante 25 anos. Como diplomata, coordenou programas destinados a assessorar a transição para o capitalismo em vários países do Leste Europeu. Roberts concedeu a seguinte entrevista a VEJA.
"Os dois fatores que fizeram o Brasil cair no ranking da liberdade econômica foram a corrupção e a falta de abertura financeira. As leis brasileiras são pouco receptivas aos investimentos estrangeiros"

A liberdade econômica é capaz de diminuir a desigualdade social de um país? Em primeiro lugar, é preciso definir o que vem a ser igualdade social. Esse conceito pressupõe que todos sejam forçados a viver em casas idênticas, ganhar os mesmos salários, comer as mesmas comidas e acreditar nos mesmos valores? Essa abordagem totalitária já foi tentada na União Soviética e está em pleno vigor em Cuba. Os resultados foram e são desastrosos, para não dizer trágicos. Como os fundadores dos Estados Unidos sabiam muito bem, é impossível para um governo arcar com a missão de assegurar igualdade para todos os cidadãos. As pessoas não nascem iguais. Elas possuem habilidades e talentos próprios. Cada uma deve decidir sozinha o que quer fazer da vida: se prefere trabalhar duro ou levar uma existência mansa e tranqüila. O principal papel de um governo não é ir contra essa realidade e forçar algo que não existe nem existirá. O bom governante é aquele que oferece oportunidades iguais para todos buscarem a própria felicidade. O capitalismo promove níveis desiguais de prosperidade. Como diria o estadista Winston Churchill, isso é muito melhor do que produzir miséria igual para todos, como faz o socialismo.

A pobreza diminui nos países com liberdade econômica? Ao dar oportunidades para que a população mais pobre prospere, a liberdade econômica é boa para todos. Quando esse conceito é implementado, a elite política fica impossibilitada de usar a máquina estatal para ganhar vantagens econômicas, o que sempre ocorre em prejuízo dos mais fracos. Essa situação terrível é o que chamamos de "capitalismo de comparsas". Nos países onde essa prática é institucionalizada, os governantes e seus amigos sobrecarregam a população com burocracia e pesados impostos com o objetivo de massacrar os empreendedores, que vêem como uma ameaça. Quando, por outro lado, existe liberdade, o poder econômico não está sujeito a forças políticas e sociais. Pequenas e médias companhias privadas, que são a espinha dorsal de uma economia e produzem a maior parcela dos impostos, têm melhores chances de crescer. A liberdade econômica é uma doutrina revolucionária que desafia o status quo e os que querem usar o poder em proveito próprio. No longo prazo, sua aplicação produz mais prosperidade, mais igualdade de renda, mais emprego e reduz os níveis de pobreza.

É possível medir esses benefícios? Se dividimos os países do mundo em cinco grupos, usando o grau de liberdade econômica como parâmetro, vemos que o grupo de países mais livres tem uma renda per capita cinco vezes maior que a do grupo de nações que consideramos repressoras. O desemprego nos países livres é de 6%, enquanto nos economicamente repressores é de 19%. As nações mais livres também possuem menor inflação, que sabidamente corrói o salário dos mais pobres.

Como está o Brasil no ranking de liberdade econômica? Em 2003, o primeiro ano do governo do presidente Lula, o país alcançou a sua melhor posição no ranking. Ficou em 58º lugar. No ranking deste ano caiu para a 101ª posição. Hoje o Brasil está ao lado de países como Zâmbia, Argélia, Camboja e Burkina Faso. Com isso, o Brasil mudou de categoria. Saiu do que chamamos de "moderadamente livre" para uma economia "majoritariamente não livre".
"O capitalismo promove níveis desiguais de prosperidade.
Como diria o estadista inglês Winston Churchill, isso é muito melhor do que produzir miséria igual para todos, como faz o socialismo"

O que fez o Brasil cair tanto no ranking? Os dois fatores que empurram o país para baixo são a corrupção e a falta de liberdade financeira. No último ranking da Transparência Internacional, que mede o grau de corrupção dos países, o Brasil aparece em 72º lugar numa lista de 179 nações. Apesar de o uso da internet nas concorrências públicas estar crescendo no Brasil, o que é positivo, muitas das empresas participantes desses leilões afirmam ter encontrado corrupção em alguma parte do processo. As leis brasileiras são pouco receptivas aos investimentos estrangeiros. O país precisa melhorar as leis de investimento, reduzir as restrições à moeda estrangeira e facilitar a vida dos empresários estrangeiros que queiram operar no país.

O senhor falou em capitalismo de comparsas. Em que países esse fenômeno é mais forte? Muitos países são vítimas desse mal, embora em diferentes graus. Os Estados Unidos já tiveram, em sua história, políticos corruptos que recebiam favores de empresários. Hoje, os americanos não vivem uma situação em que o capitalismo de comparsas possa ser considerado institucionalizado. Isso acontece mais claramente no México, na Argentina e na Venezuela. A economia mexicana é dominada por grandes empresas estatais e privadas, que exercem monopólios ou duopólios. Entre as estatais estão a Pemex, de petróleo, e a CFE, de eletricidade. O resultado é a falta de competição, que prejudica os consumidores mexicanos. Na Argentina, o governo populista dos Kirchner mostra claro favoritismo a setores dominados por colegas peronistas. Nas áreas em que há amigos, o governo não é tão severo ao exigir que as companhias obedeçam às regras ambientais, por exemplo. Já no regime do venezuelano Hugo Chávez, o capitalismo de comparsas domina inteiramente o país. A tal ponto de alguns economistas preferirem não chamar o sistema venezuelano de capitalismo. O governo Chávez é mais parecido com o fascismo ou com a ditadura da KGB, sob o comando de Vladimir Putin, na Rússia. Lá, ter sido um espião é essencial para se tornar um empresário de sucesso.

Quais são as nações que mais melhoraram em termos de liberdade econômica nos últimos anos?
Qual foi o impacto disso? Eu destacaria Botsuana, Estônia, Irlanda e Mongólia. O padrão de vida nesses países melhorou muito na última década. Desde 1995, todos tiveram um aumento médio anual do PIB superior a 5%. Ao reforçar o estado de direito e a transparência no governo, todos ganharam estabilidade política e econômica. A Irlanda hoje é um grande exportador de software da União Européia. A Estônia tem seguido o mesmo caminho e investe bastante em tecnologia e informática.

Por que as antigas colônias inglesas da Ásia estão entre os países com maior liberdade econômica?
Parte da resposta está na cultura anglo-saxã. Dos dez países no topo do ranking, sete foram colônias inglesas. A Inglaterra é o décimo na lista. É uma tradição inglesa e do norte da Europa ter governos limpos, transparentes e responsáveis. Servidores públicos não tentam roubar, os tribunais de Justiça procuram ser honestos e não aceitam suborno. Outro fator é a relevância dada aos direitos de propriedade em países com influência anglo-saxã, como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Botsuana e Irlanda. Outros países protestantes dividem o mesmo legado. Em 1215, a Constituição inglesa já criava um sistema de pesos e contrapesos para o poder governamental, que evoluiu bastante desde então. Graças a isso, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário não interferem uns nos outros e formam um sistema transparente, que previne abusos do poder. Uma das bandeiras da reforma protestante no século XVI foi a rejeição total da corrupção que permeava a Igreja Católica na época.

Como está a América Latina no ranking? Quando analisamos o continente americano como um todo, percebemos que a liberdade econômica está diminuindo. A culpa é claramente da América Latina. A região está dividida. De um lado estão governos baseados em uma democracia mais profunda, que estimula o livre mercado e traz prosperidade para a população. É o caso do Chile, que aparece em oitavo lugar no ranking mundial, à frente da Suíça e da Inglaterra. De outro estão governos populistas que vendem fórmulas desgastadas do passado. A Venezuela está entre os dez países mais repressivos, à frente apenas de notáveis ditaduras como a de Robert Mugabe, no Zimbábue, ou a de Kim Jong Il, na Coréia do Norte. Desde que ganhou as eleições, Chávez promove um intenso ataque ao sistema privado. Muitos empresários pararam a produção porque não conseguem mais obter lucros. Na Argentina, a falta de liberdade econômica tem sido uma tragédia. O país, que em 1933 tinha um PIB equivalente à soma dos de Brasil e México e era uma das dez maiores economias do mundo, tornou-se periférico. Nos últimos 75 anos, seus governantes fizeram com que o país caminhasse para trás, apesar de ser muito rico em recursos naturais. Na Nicarágua, Daniel Ortega ressuscitou seu discurso antiamericano e sua política desestabilizadora, aproximando-se perigosamente de Hugo Chávez e do iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

Qual dos dois grupos de países está mais forte na região? Muitos países estão caminhando em direção a modelos falidos do passado. No nosso ranking, isso se refletiu no desempenho dos países. Dezessete caíram de posição, enquanto doze tiveram melhora.

Que país poderia servir de modelo para a América Latina? O Brasil pode ser citado como exemplo no que diz respeito à manutenção de sua política antiinflacionária. Exceto pelo Chile, os demais países da região não mostram a mesma disciplina. A maioria dos governos prefere comprar vantagens políticas no curto prazo, mesmo sabendo que isso está sendo feito à custa do crescimento e da saúde econômica a longo prazo.

As mudanças que Raúl Castro está promovendo em Cuba vão ampliar a liberdade econômica na ilha? Não há nenhuma informação que me leve a concluir que Cuba esteja dando passos verdadeiros em direção à liberdade econômica. Não haverá democracia baseada em livre mercado até que o regime de Fidel Castro se vá definitivamente. A transição representada por Raúl não é para valer. Ele só está tentando fazer parecer que há uma mudança, quando não há nenhuma. Os camaradas do partido dizem que as pessoas agora podem comprar celulares, mas só os que ganham pesos conversíveis podem se conceder esse luxo. Isso exclui grande parcela da população de Cuba. O governo é quem decide quem pode ou não comprar computadores e aparelhos de DVD. Ninguém tem vontade de trabalhar na ilha, porque sabe que isso não compensa. O Exército controla 60% da economia e Raúl está no comando dos militares. Certamente não tomará nenhum passo em direção a uma liberdade econômica verdadeira, porque isso ameaçaria seu próprio poder. Tudo não passa de um grande teatro.

De maneira geral, a liberdade econômica tem diminuído ou aumentado no mundo? Quando se somam todos os países, é possível ver que a liberdade econômica tem aumentado, embora muito lentamente. Quem mais puxa a curva para cima são os países europeus. Dos vinte países mais livres, metade está na Europa. Outro destaque são as antigas colônias inglesas. Hong Kong é o campeão, seguido de Cingapura.

Thursday, August 28, 2008

The Devils in His Details By George Will

DENVER -- When Barack Obama feeds rhetorical fishes and loaves to the multitudes in the football stadium Thursday night, he should deliver a message of sufficient particularity that it seems particularly suited to Americans. One more inspirational oration, one general enough to please Berliners or even his fellow "citizens of the world," will confirm Pascal's point that "continuous eloquence wearies." That is so because it is not really eloquent. If it is continuous, it is necessarily formulaic and abstract, vague enough for any time and place, hence truly apposite for none.

If Socrates had engaged in an interminable presidential campaign in a media-drenched age, perhaps he, too, would have come to seem banal. But the fact that Obama lost nine of the final 14 primaries might have something to do with the fact that when he descends from the ether to practicalities, he reprises liberalism's most shopworn nostrums.

Russia, a third-world nation with first-world missiles, is rampant; Iran is developing a missile inventory capable of delivering nuclear weapons the development of which will not be halted by Obama's promised "aggressive personal diplomacy." Yet Obama has vowed to "cut investments in unproven missile defense systems." Steamboats, railroads, airplanes and vaccines were "unproven" until farsighted people made investments. Furthermore, as Reuel Marc Gerecht of the American Enterprise Institute notes, Democrats will eventually embrace missile defense in Europe because they "will have nowhere else to go short of pre-emptive strikes against Iran's nuclear facilities."

Obama, who might be the last person to learn that schools' cognitive outputs are not simply functions of financial inputs, promises more money for teachers, who, as usual, are about 10 percent of the Democrats' convention delegates and alternates. He waxes indignant about approximately 150,000 jobs sent overseas each year -- less than 1 percent of the number of jobs normally lost and gained in the creative destruction of America's dynamic economy. U.S. exports are fending off a recession while he complains about free trade. He deplores NAFTA, although since it was implemented in 1994 the U.S., Mexican and Canadian economies have grown 50 percent, 46 percent and 54 percent, respectively.

Recycling George McGovern's 1972 "Demogrant" notion, Obama promises a $1,000 check for every family, financed by a "windfall profits" tax on oil companies. Obama is unintimidated by the rule against legislating about subjects one cannot define.

Obama thinks government is not getting a "reasonable share" of oil companies' profits, which in 2007 were, as a percentage of revenues (8.3 percent), below those of U.S. manufacturing generally (8.9 percent). Exxon Mobil pays almost as much in corporate taxes to various governments as the bottom 50 percent of American earners pay in income taxes. Exxon Mobil does make $1,400 a second in profits -- hear the sharp intakes of breath from liberals with pursed lips -- but pays $4,000 a second in taxes and $15,000 a second in operating costs.

Obama's rhetorical extravagances are inversely proportional to his details, as when he promises "nothing less than a complete transformation of our economy" in order to "end the age of oil." The diminished enthusiasm of some voters hitherto receptive to his appeals might have something to do with the seepage of reality from his rhetoric. Voters understand that neither the "transformation" nor the "end" will or should occur. His dreamy certitude that "alternative" fuels will quickly become real alternatives is an energy policy akin to an old vaudeville joke: "If we had some eggs, we could have ham and eggs, if we had some ham."

When he speaks Thursday night in a venue consecrated to the faux combat of football, the NATO alliance, which was 12 years old when he was born, may be collapsing because of its unwillingness to help enough in Afghanistan and its inability to respond seriously to Russia's combat in Georgia. It is unfair to neither NATO nor Obama to note that the alliance is practicing what he preaches: It is preaching to Vladimir Putin, who is unimpressed. NATO, said Lord Ismay, speaking of Europe in 1949, was created to "keep the Americans in, the Germans down and the Russians out." That Germany's appeasement reflex is part of NATO's weakness is perhaps progress, of sorts.

Journalism often must be preoccupied with matters barely remembered a week later. But decades hence, historians will write about today's response to Russia by the West, perhaps in obituaries for the idea of "the West." If Obama does not speak to this crisis Thursday night, that will speak volumes

Wednesday, August 27, 2008

My good friend the great Michael Maness

Memória de Caymmi by João Ubaldo Ribeiro

Infelizmente, a linguagem é linear e as coisas têm que ser contadas em sucessão. Que fazer, a gente vive no tempo - há sempre um "antes", um "durante" e um "depois". Mas eu gostaria que fosse possível fotografar uma amizade de mais de quatro décadas, como a de Dorival Caymmi comigo. Não filmar, cujo resultado, por mais que inventem truques engenhosos, tampouco escapa da linearidade, mas fotografar mesmo. É como se tudo pudesse ter sido simultâneo, do jeito em que agora está na minha cabeça. Não me ocorre uma sucessão ou conjunto de fatos, me vem somente uma espécie de claridade alegre, risonha, festeira. E não há como transmitir isso a ninguém.

Mas, se não posso livrar-me da cronologia, posso pelo menos embaralhá-la à vontade. E agora estamos ele e eu sentados na casa dele na Bahia, há não sei quantos anos. Ele em sua poltrona favorita, perto da porta de entrada. Sem camisa, de bermuda e chinela, peito tomado por colares de contas e guias de todos os tipos, cabeça repousada sobre o telefone em que falava, recusando à sua maneira um convite para festa ou almoço, não lembro bem. Quem nunca viu Caymmi recusar alguma coisa perdeu um espetáculo único. Aliás, quem nunca conviveu com Caymmi um pouco assim meio que perdeu muito, como às vezes se diz lá na ilha.

Ele nunca recusava convites explicitamente, pelo menos que eu tenha testemunhado - e testemunhei diversos. Conversava com o convidador sobre assuntos variados, filosofava um pouco, concordava enfaticamente com algumas afirmações do outro, contava histórias, fazia observações, comentava o tempo, elogiava profusamente quem quer que fosse mencionado na conversa e ria com freqüência. Enfim, montavam-se verdadeiras prosas, em que o sujeito acabava se despedindo e desligando, provavelmente sem entender nada e não tendo nem certeza sobre se o convite fora mesmo recusado. Uma vez comentei isso com ele e ele respondeu muito sério, embora com aquela expressão marota que não o deixava nem quando ele se aborrecia: "É uma técnica que eu desenvolvi e só não patenteei porque só quem sabe usar sou eu".

Acabado o telefonema, passou-se à verdadeira prosa, a que se dava entre nós. Pode ser que meus amigos pessoais não acreditem, mas eu ouvia muito mais do que falava. Logo aprendi que havia algo que denominei, por falta de inventividade, de "a história de Caymmi". A história não era a da vida dele, embora sua biografia aparecesse muito, mas era simplesmente a história. Um dos melhores conversadores que conheci, expressivo, eloqüente, histriônico, ele pegava a palavra e ninguém queria mais que ela lhe fosse tomada. A história começava por algum acontecimento mencionado e ia seguindo, desenrolando-se como uma serpentina ou uma espiral, e não acabava nunca. E ninguém que a ouvia queria que acabasse. E ainda não acabou mesmo, só que não mais está conosco seu grande contador.

Corte para outro encontro na casa dele, onde eu não tinha aparecido nem dado notícias havia semanas. Que tinha acontecido? Respondi que andava me virando. Mercado sempre difícil para jornalistas, escritores e afins, dureza mesmo. Mas que ele não se preocupasse, eu me virava. E ele, apesar de algumas palavras encorajadoras, pareceu não se preocupar mesmo.

Dias mais tarde, me procura, num dos bicos em que eu batalhava contra a penúria, o representante de uma agência de propaganda. Um banco, cliente dessa agência, ia inaugurar sua primeira filial em Belo Horizonte e haviam escolhido Caymmi para estrelar um comercial dirigido aos mineiros. Ele só tinha que aparecer vestido de Dorival Caymmi mesmo e dizer uma frase de duas linhas. Tudo acertado, foram a ele e mostraram a frase. Não precisava nem decorá-la, podia ler de um cartaz posto à sua frente, fora de cena. Ele a examinou com gravidade, fez a beiçola de dúvida que era também marca sua e perguntou quem tinha escrito aquele negócio.

- Um redator lá da agência, é só isso mesmo que o cliente quer que o senhor diga, é só dizer essas palavrinhas.

- Não digo. Só digo textos de alta qualidade literária.

- Mas qualidade literária aqui, o senhor...

- Não adianta. Procurem João Ubaldo Ribeiro. Só leio se ele escrever. E vocês paguem a ele decentemente, para eu não passar vergonha.

Pronto. Ali estava o compreensivelmente indignado representante da agência para que eu escrevesse a frase que Caymmi leria. O cheque era régio, dava de sobra para me safar do que na época se chamava pindaíba total. Mas escrever o quê? Pois é, disse o emissário, não tem nada o que escrever, é só "eu sou Dorival Caymmi e estou aqui em Belo Horizonte etc.", só isso. Vi que era verdade e, morto de vergonha, pedi pelo menos para copiar as palavras na minha máquina, para Caymmi realmente receber um papel saído de minhas mãos. Voltaram lá, ele nem olhou o texto, só perguntou se era meu mesmo.

- Então eu leio - disse ele. - Se é do João Ubaldo, eu leio.

E leu. Dias mais tarde, apareci de novo na casa dele, trocamos umas abobrinhas e ele, antes de recomeçar a história como sempre, me perguntou se as coisas tinham melhorado, eu disse que sim, ele bloqueou meu agradecimento, voltou logo à história e nunca me falou no assunto.

É desse Caymmi que estou lembrando agora, com o coração apertado. Que ele foi uma dos maiores artistas da nossa História, que falas suas se incorporaram à linguagem popular mais do que as de qualquer outro, que ele foi um grande, incomparável e insubstituível criador de beleza, isso e muito mais eu não preciso repetir, porque todos sabemos, Deus seja louvado.

Ainda há uma esperança para a Venezuela by Mário Vargas Llosa

Fiz uma visita relâmpago a Caracas para ver a montagem teatral de Héctor Manrique de uma obra minha, Al pie del Támesis ("Às margens do Tâmisa"). Apesar de minha breve permanência, pelo que vi, ouvi, li e conversei com amigos nessas poucas hora, saí da Venezuela convencido de que o projeto autoritário que o comandante Chávez chama de "Revolução Bolivariana" e "socialismo do século 21" tem agora menos possibilidade de se concretizar do que há alguns anos. O tempo e a resistência dos venezuelanos vão enfraquecendo, aos poucos, o risco de que a pátria de Bolívar torne-se uma segunda Cuba.

De onde se origina meu otimismo? Da liberdade com que os venezuelanos criticam o governo nas ruas, praças, cafés e onde quer que seja, sem se deixarem intimidar pelas represálias, que vão desde demissões sumárias de cargos públicos, multas, cancelamento de contratos e licenças para empresários, estatizações e confiscos, até o fechamento de rádios, televisões e teatros públicos a artistas, diretores, roteiristas e produtores que relutam em tornar-se instrumentos submissos do poder.

As pesquisas realizadas sobre as eleições do próximo dia 23 de novembro, quando serão escolhidos 22 governadores e 335 prefeitos em todo o país, mostram que a oposição, unida, poderá obter uma porcentagem muito elevada de vitórias em toda a Venezuela.

Chávez sabe disso e tomou precauções. Mandando o Controlador da República, em flagrante violação da Constituição, "inabilitar" quase 300 candidatos, em sua grande maioria da oposição. Entre eles, estavam quatro oposicionistas que tinham grandes chances de vitória e ficaram fora da disputa.

O Supremo Tribunal de Justiça, agora a serviço do regime, validou o legicídio. Mesmo assim, e conscientes de que, alertado pela derrota sofrida no dia 2 de dezembro de 2007, Chávez usará de todos os recursos a seu alcance para impedir um novo revés, os venezuelanos alimentam um certo otimismo.

O regime poderá orquestrar uma fraude generalizada? Não é fácil, porque já existe o voto eletrônico, sempre e quando, é claro, haja uma fiscalização nas mesas de votação, como a que exerceram os estudantes no referendo sobre o projeto de reforma constitucional de dezembro. E é evidente que, desta vez, haverá nova mobilização para impedir, ou pelo menos reduzir, o risco de alteração indevida dos resultados.

Pergunto a meus amigos, enquanto saboreio um café da manhã com arepas e queijo branco, por que o regime chavista não conseguiu instaurar na Venezuela instrumentos de coerção e intimidação - como os comitês de bairro e de distrito da Revolução Cubana, por exemplo -, que em todas as sociedades autoritárias paralisam a sociedade civil e a amordaçam, permitindo que o regime feche todos os espaços de liberdade e crítica ao poder.

Quem me dá uma explicação convincente é Teodoro Petkoff, fundador do MAS (Movimento Para o Socialismo), do qual se retirou no mesmo dia em que o grupo decidiu apoiar Chávez. Petkoff é ex-guerrilheiro, ex-prisioneiro político - com duas fugas fabulosas da prisão -, diretor de jornal e um dos mais lúcidos analistas políticos da Venezuela.

Segundo Petkoff, desde a queda da ditadura de Marcos Pérez Jiménez, em janeiro de 1958, até a ascensão ao poder do comandante Hugo Chávez, em 1999, ou seja, durante cerca de 40 anos, os venezuelanos tiveram governos que, independentemente de seus fracassos no campo econômico e social, garantiram as liberdades públicas, realizaram eleições livres e respeitaram o direito de expressão e de crítica de seus cidadãos.

Essas práticas democráticas calaram profundamente na sociedade venezuelana. Embora a corrupção e as políticas equivocadas tenham causado uma decepção de um vasto setor do povo com os partidos tradicionais e tenham criado um clima favorável à pregação populista, revolucionária e à figura do caudilho, o hábito do exercício da liberdade não desapareceu.

EXEMPLO

Por isso, Chávez não pôde seguir o exemplo cubano, ou mesmo o soviético, o chinês, o islâmico ou o de outros déspotas militares do continente, que emascularam por meio do medo toda uma sociedade, antes de subjugá-la.

Mais ainda, esse espírito independente e livre, aclimatado ao longo de quatro décadas de vida democrática, manifesta-se até mesmo no interior do próprio partido de Hugo Chávez, onde as divisões e as insubordinações contra o caudilho fazem com que, nas próximas eleições de novembro, em alguns Estados (como o seu), os candidatos governistas representem opções críticas e rebeldes em relação à política do próprio presidente.

Quantos cubanos há na Venezuela? Esse é o segredo mais bem guardado do regime chavista. Ninguém sabe ao certo. Os cálculos variam entre 10 mil e 30 mil. Muitos deles são médicos e dentistas e vivem espalhados pelo território nacional, nas "missões" ou postos de saúde que prestam serviço nos "ranchitos", bairros pobres na periferia das grandes cidades, e no campo.

Um número considerável de cubanos estabelecidos na Venezuela trabalha em funções de segurança e inteligência. Aparentemente, eles têm a responsabilidade de zelar pela segurança de Chávez. Muitos utilizaram a Venezuela como trampolim para fugir para os EUA, para a Colômbia e para a América Central, embora não existam estatísticas a respeito.

AUTORITARISMO

Em todo o caso, o certo é que a presença dessa ampla comunidade cubana na Venezuela não parece, de modo algum, constituir uma força de doutrinação e propaganda em favor do marxismo-leninismo e da utopia comunista, mas uma amostra de ceticismo e de saturação da "revolução".

A esse respeito, não resisto à tentação de reproduzir um episódio contado por Petkoff. Ao tomar um táxi no centro de Caracas, ele foi reconhecido pelo motorista, que era um médico cubano. Em suas horas de folga, o taxista trabalhava como chofer para melhorar sua renda. Vivia já há algum tempo na Venezuela e, certamente, estava muito satisfeito.

O que mais o alegrava era a abundância que via em todas as partes, nas lojas, armazéns e mercados, em grande contraste com os modestos e míseros postos de venda de produtos nacionais onde os cubanos mais pobres costumam se abastecem na ilha.

RESISTÊNCIA

No meio da conversa, o médico-taxista confessou a Petkoff esta fraqueza: "Quando cheguei à Venezuela e vi pela primeira vez uma garrafa de Coca-Cola, meus olhos se encheram de lágrimas."

Se, depois de meio século de revolução, o símbolo por excelência do capitalismo desperta semelhantes emoções em um cubano nascido e educado sob a pregação ideológica de Fidel Castro, alguém duvida que o socialismo em sua versão cubana está com os dias contados?

Quando as sociedades vivem períodos traumáticos, geralmente a vida artística e cultural experimenta um apogeu. E a Venezuela não é uma exceção à regra.

As carências e limitações, que podem ser percebidas em outros campos, não empobreceram o trabalho literário, intelectual e artístico, que mantém elevados níveis de criatividade no país.

BOLIVARIANISMO

O governo não quis ou não soube cooptar a classe intelectual e artística e colocá-la a seu serviço. Escritores, professores, músicos, pintores, atores mantiveram uma grande independência em relação ao regime e, com escassas exceções, não aceitaram servir como propagandistas.

Um bom número deles milita hoje na resistência. As universidades também não foram subjugadas pelo regime chavista. Quase todas, tanto públicas quanto privadas, conservaram sua independência e são, em alguns casos, um contrapeso salutar de defesa da cultura e da liberdade contra a demagogia revolucionária governamental.

É notório que o presidente Chávez promove seu "socialismo bolivariano" a golpes de talão de cheques, ou melhor, de barris de petróleo, que presenteia aqui e ali ou vende a preços preferenciais aos países que pretende incorporar à sua órbita de influência.

Desse modo, uma grande porcentagem dos recursos do país vai para o exterior para beneficiar outros povos, em vez do povo venezuelano. Durante minha rápida visita, ouvi muitas críticas e de toda a ordem contra o regime, mas não ouvi uma única vez um venezuelano se queixando desses gastos chavistas em favor dos bolivianos, dos nicaragüenses, dos argentinos e, agora, dos paraguaios. Por quê?

SOLIDARIEDADE

Sem dúvida, porque aquele espírito solidário, sacrificado e generoso que levou tantos milhares de venezuelanos a sair desse pequeno e pobre país que era a Venezuela, para derramar seu sangue pela liberdade da América Latina, no início do século 19, continua incendiando os corações de seus descendentes.

Saturday, August 23, 2008

Mahahual - Hurricane Dean

Hurricane Dean - Costa Maya- Mexico

Guga at Brazilian Tropical Cafe Newport beach-CA

Brazilian Tropical Cafe - Newport Beach - CA

Campeonato Brasileiro de Karate

Campeonato carioca de Karate- Guga vs Birimbau

Mae tobi geri

A China na frente? by CARLOS ALBERTO SARDENBERG

A China na frente? CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Parece que os planos chineses estão funcionando. A Olimpíada vai muito bem no terreno esportivo, a infra-estrutura técnica é de primeiro mundo, recordes são quebrados, surgem os heróis.
Mais importante ainda para o governo chinês, seus atletas ganham mais medalhas de ouro do que os americanos.
Tudo somando, a China apresenta-se ao mundo como potência.
Os americanos sentiram o baque. Tanto que, por alguns dias, a imprensa americana apresentava a classificação utilizando apenas o critério do total de medalhas, no qual os EUA levavam vantagem.
Mais ainda, a imprensa americana dedicou algum esforço tentando demonstrar que há muitos atletas americanos concorrendo por outros países.
Exemplo? O nosso César Cielo — que vive, treina nos EUA e disputa os campeonatos locais. É um produto da natação americana, tal a tese, que relaciona outros vários nadadores, nomes do atletismo e mesmo jogadores de esporte coletivo, como a legião de atletas de vários nacionalidades que atuam na liga profissional dos EUA, aí incluído um dos maiores ídolos da China. O que se pretende provar? A superioridade do esporte praticado nos EUA, de qualidade e penetração global.
Esportes sempre tiveram um viés político, no bom e no mau sentido. No lado bom, pode-se colocar o patriotismo, o sentimento de bem-estar de que todos participam quando “um dos nossos” levanta uma medalha. No lado negativo, a pretensão dos governos de, via medalhas, demonstrar a superioridade nacional, com objetivos externos — exibir-se como potência — e internos, ganhar o apoio do povo.
O exemplo que vem logo é o da Olimpíada de Berlim promovida por Hitler. Mas, guardadas as proporções históricas, a China está claramente no lado negativo. Seu objetivo não é apenas mostrar-se como potência, mas como potência no modelo chinês político e econômico.
Esse modelo ora é apresentado como caminho chinês para o socialismo, para fins internos, de modo a justificar a história comunista, ora como economia socialista de mercado, para dizer aos investidores estrangeiros que o socialismo é político, mas a economia, de mercado.
Os chineses são mestres na simulação de linguagem. Já chamaram privatização de “devolver as empresas ao povo”. Descontado isso, de que se trata? Uma ditadura política com capitalismo na fase da acumulação que se diria selvagem. Vai aqui uma combinação de salários baixos com pesado investimento em infra-estrutura e bens de capital, isso obtido com uma rigorosa poupança, em boa parte forçada pela falta de uma rede de proteção social.
Por exemplo: quase não há aposentadoria pública e o sistema de ensino é pago nas fases média e superior.
Em 1995, o salário médio na indústria chinesa era de um dólar a hora. No ano passado, alcançou pouco mais de três dólares, o triplo, mas ainda menos da metade do salário médio das regiões metropolitanas brasileiras. Nos EUA, o salário hora era de 17 dólares em 2007.
Além disso, trata-se do crescimento a qualquer custo social e ambiental.
Cidades inteiras são deslocadas para a instalação de usinas ou de aeroportos.
Desenha-se uma estrada pela sua conveniência econômica, não importa por onde passe.
Como é possível manter as coisas assim? Com a polícia política, a imprensa controlada, a censura, a eliminação das eleições livres.
E bem vistas as coisas, todos esses elementos estiveram presentes na preparação e realização da festa olímpica.
Por pressão do Comitê Olímpico, os jornalistas estrangeiros tiveram acesso ampliado à internet, mas só nos centros de imprensa dos Jogos e com claros limites.
Digita-se Tibet e, nada.
Mesmo incidentes menores, como um acrobata que se machucou, foi escondido pelas autoridades. Manifestantes foram presos e o governo chegou ao ridículo de designar praças para protestos, desde que solicitados com antecedência, revelando-se o tema da reclamação.
Também bem vistas as coisas, as medalhas chinesas vêm do mesmo processo.
O modo de formação dos atletas, como uma política de Estado, só é possível numa ditadura. Os jovens selecionados pelo seu potencial entram em regime militar, internados em casas de treinamento como se fossem quartéis.
Dependem de autorização dos chefes para tudo. Quem quiser parar ou cometer falta política, é punido como se fosse um criminoso, tanto quanto um dissidente político.
São medalhas manchadas.

Thursday, August 21, 2008

Pequenos monstros by João Pereira Coutinho

Confesso: tenho assistido aos Jogos Olímpicos. A culpa não é minha. A culpa é da diferença horária: quando vou para a cama, Pequim está acordado. Deitado no leito, com a tv ligada, acompanho os exercícios. E a insônia vem a seguir.

Insônia por que? Por causa dos atletas chineses. Nada tenho contra chineses. Mas é difícil resistir ao rosto dessa gente. Americanos, russos, europeus, brasileiros - tudo gente normal, com as alegrias e tristezas de gente normal. Mas os chineses são outra história: o rosto exibe uma tensão e uma infelicidade que não se encontram nos outros. E quando falham, isso não representa uma derrota para os atletas. Representa uma tragédia de contornos apocalípticos. Como explicar o fenômeno?

Infelizmente, com política. Os Jogos não são mero desporto para a China; são uma forma do regime mostrar superioridade perante o mundo (tradução: perante os EUA), vencendo mais medalhas e apresentando uma organização imaculada, onde o fogo de artifício é gerado por computador e crianças inestéticas são dubladas por rostos mais fotogênicos. Um atleta chinês, quando entra em cena, está em guerra diplomática. Perder é morrer.

Mas existe uma razão adicional e pessoal: há trinta anos que a China persiste na sua política do filho único como forma de limitar a explosão demográfica. E essa política tem um preço: quando os casais têm um único filho, a pressão e as expectativas de sucesso aumentam, esmagando os desgraçados. A China criou uma juventude admirável: pequenos monstros que jogam a existência, sua e dos progenitores, em cada prova desportiva ou académica.

A revista "Psychology Today" relembrou recentemente alguns números a respeito. Números que arrepiam. Anualmente, as universidades chinesas produzem 4 milhões de diplomados. Mas a China, apesar do boom económico, apenas consegue absorver menos de metade. O desemprego é o caminho para a maioria, isso numa cultura que nunca tolerou pacificamente o fracasso.

Moral da história? Para começar, o suicídio é a primeira causa de morte entre os chineses mais jovens (entre os 20-35 anos); e só entre os universitários, 25% têm recorrentes pensamentos suicidas (nos EUA, por exemplo, só 6%). Conta a revista que a China lidera os problemas psiquiátricos entre crianças e adolescentes, com 30 milhões a necessitar de acompanhamento psicológico, que aliás não existe: uma das heranças perversas da tirania de Mao foi percepcionar os problemas psicológicos como "anti-socialistas", enviando os "reacionários" problemáticos para campos de trabalho.

Sim, o Brasil pode lamentar as medalhas perdidas. Mas existe um prémio de consolação: os jovens brasileiros entram e saem da China com a cabeça intacta. A sanidade vale ouro.

Wednesday, August 20, 2008

Memories!!

Wednesday, August 13, 2008

A nova estatal do petróleo: paixão pelo Estado by Mailson da Nóbrega

A crença na capacidade do Estado de resolver todos os problemas tem raízes profundas na sociedade brasileira. A maioria ainda se guia por um conjunto de hábitos, idéias, suposições e padrões institucionais típicos da cultura ibérica nutrida em séculos de centralismo.

Não é assim nos países anglo-saxônicos, nos quais se praticam outros valores, que atribuem papel mais relevante ao setor privado. Ao Estado cabe prover as instituições que alinham incentivos para que os indivíduos busquem o progresso. São fundamentais a estabilidade de regras, a previsibilidade, a concorrência, a preservação dos direitos de propriedade e o respeito aos contratos.

Por isso, a Inglaterra e suas colônias no Novo Mundo chegaram mais cedo ao capitalismo contemporâneo e enriqueceram. Espanha e Portugal declinaram do apogeu das grandes descobertas e entraram no século 20 como nações pobres. Suas colônias nas Américas ficaram para trás em relação aos EUA.

Na América Latina, o Estado liderou o desenvolvimento, particularmente a partir do pós-guerra. Outros países também recorreram à ação estatal para atingir a industrialização, como Alemanha, França e Bélgica no século 19 e Coréia do Sul, Cingapura e outros países asiáticos a partir dos anos 1950.

Na Europa e na Ásia, o ativismo estatal desapareceu ou diminuiu muito quando o desenvolvimento decolou e o setor privado se mostrou capaz de assumir a liderança. Isso aconteceu até na França, onde ainda é forte a cultura estatista: todos os bancos do governo foram privatizados.

Acontece que na América Latina o Estado desenvolvimentista conviveu com uma cultura avessa ao lucro e à iniciativa privada. Pesquisas mostram que a maioria dos brasileiros apóia o controle estatal nos bancos, no petróleo, na energia elétrica e em outras áreas.

Por isso, o Estado se manteve forte na atividade econômica latino-americana. Houve privatizações nos anos 1980 e 1990, mas a idéia ainda é muito mal vista. No Brasil, apesar das evidências em contrário, ainda há quem ache que a Cia. Vale do Rio Doce, a Embraer e outras empresas não deveriam ter sido privatizadas.

Na Argentina, na Venezuela e na Bolívia, empresas estatais voltaram a ser criadas. O gás boliviano foi reestatizado. Ações semelhantes continuam a ocorrer na Venezuela, como no caso recente da estatização da filial de um banco espanhol.

É nesse contexto que se deve ver a idéia do ministro de Minas e Energia de criar uma empresa 100% estatal para explorar as reservas do Pré-Sal. Pensando em fazer o melhor para o país, s.exa. se move por esse tipo de padrão mental.

Pouco importa, ao que parece, que as novas jazidas tenham sido descobertas pela combinação vitoriosa do trabalho da Petrobrás com a das empresas estrangeiras, que foram atraídas pelo fim do monopólio estatal da exploração de petróleo (Lei 9.478, de 1997).

O modelo adotado na abertura da exploração de petróleo foi sem dúvida um êxito. Em vez de comemorá-lo e de fortalecê-lo, agora que a exploração do Pré-Sal exigirá vultosos investimentos e avançada tecnologia, o ministro e outros membros do governo querem modificá-lo. Além da criação da estatal, as normas seriam mudadas para adoção do modelo de partilha.

Em vez da estabilidade das regras, o governo prega a ruptura, de modo a reservar ao Estado - e apenas para ele - os resultados da exploração das novas jazidas. A idéia, devemos reconhecer, soa esperta para quem vê com desconfiança a atividade empresarial privada. Mas não é.

Na verdade, essas ações podem gerar insegurança em quem investiu acreditando na seriedade do novo modelo e nos criar problemas no futuro. Prejudicarão os que adquiriram ações da Petrobrás, inclusive os trabalhadores que usaram seu FGTS para comprar os papéis da empresa estimulados pelo governo. Rezemos para que o bom senso prevaleça e a nova estatal morra no nascedouro.

As novas gerações provavelmente se livrarão do cacoete estatista. Afinal, isso aconteceu na Espanha e em Portugal destes últimos anos. As pesquisas também mostram que a educação altera o modo como a sociedade brasileira vê o Estado, mas enquanto a mudança não vem continuaremos a ver a resistência à privatização e o apoio a propostas como a do ministro. A paixão pelo Estado, como se vê, não é privilégio da esquerda.

*Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br)

POR QUE NÃO ME UFANO by Daniel Pizza

Li as pesquisas sobre o aumento da classe média (de R$ 1.000 a R$ 4.500), que passou a ser maioria no Brasil (51%), mesmo pagando um terço do seu ganho em impostos e um terço em serviços que o Estado não lhe provê com o dinheiro desses impostos. Só não entendo por que se faz tanta festa. Recuperou-se a renda de dez anos atrás, e está claro que por obra do desenvolvimento da sociedade, não de programas assistencialistas. Além disso, muita gente desceu de patamar também, pois os empregos gerados são de qualificação baixa. E um terço da população continua a viver com menos de um salário mínimo. Enquanto isso, a China cresce 10% ao ano, investe pesado em educação e tecnologia e se prepara. O Brasil precisa parar de achar que o futuro já chegou toda vez que há uma boa notícia.

Monday, August 11, 2008

Por uma sociedade justa e eficiente by Stephen Kanitz

Por uma sociedade
justa e eficiente

Que sociedade é mais justa, aquela que valoriza as boas
intenções e o esforço ou aquela que valoriza os resultados?
Uma boa pergunta para começar a discutir no retorno às aulas

Ilustração Atômica Studio


No primeiro ano de faculdade aprendi um truque que muito me auxiliou na hora de obter notas melhores. Descobri que, numa prova na qual cai um tema que você não estudou, que o pegou de surpresa, sobre um assunto de que você não sabe absolutamente nada, o melhor é não entregá-la em branco, que seria a coisa mais lógica e correta a fazer. Nessas horas, escreva sempre alguma coisa, preencha o papel com abobrinhas, pois, quanto maior o número de páginas, melhor. Isso porque existem dois tipos de professor no Brasil: um deles é formado pelos que corrigem de acordo com o que é certo e errado. São geralmente professores de engenharia, produção, direito, matemática, recursos humanos e administração. Escrever que dois mais dois podem ser três ou doze, dependendo "da interpretação lógica do seu contexto histórico desconstruído das forças inerentes", não comove esse tipo de professor. Ele dá nota dependendo do resultado, e fim de papo.

Mas, para a minha alegria, e agora também para a sua, existe outro tipo de professor, mais humano e mais socialmente engajado, que dá nota segundo o critério de esforço despendido pelo aluno e não apenas pelo resultado. Se você escreveu dez páginas e disse coisas interessantes, mesmo que não pertinentes ao tema, ficou as duas horas da prova até o fim, mostrou esforço, ganhará uns pontinhos, digamos uma nota 3 ou até um 3,5. O que pode ser a sua salvação. Na próxima prova você só precisará tirar um 6,5 para compensar, e não uma impossível nota 10. Se você estudar um mínimo e usar esse truque, vai tirar um 5.

Uma vez formados, os alunos desse tipo de professor são muito fáceis de identificar. Seus textos são permeados de abobrinhas e mais abobrinhas, cheios de platitudes e chavões. Defendem que a renda deve ser distribuída pelo esforço, e não pelo resultado, e que toda criança que compete deve ganhar uma medalha. Defendem que todo professor de universidade deve ganhar o mesmo salário, independentemente da qualidade das aulas, e que a solução para a educação é mais e mais verbas do governo, sem nenhuma avaliação de desempenho.

Esses dois tipos de professor obviamente não se bicam. É a famosa briga da turma da filosofia contra a turma da engenharia. São as duas grandes visões políticas do mundo, é a diferença entre administração pública e privada. O que é mais justo, remunerar pelo esforço de cada um ou pelos resultados alcançados? O que é mais correto, remunerar pela obediência e cumprimento de horário ou pelas realizações efetivas com que cada um contribuiu para a sociedade?

Como o Brasil ainda não resolveu essa questão, não podemos discutir o próximo passo, que são as injustiças da opção feita. É justo só remunerar pelo resultado? É justo remunerar somente pelo esforço? Podemos até escolher um meio-termo, mas qual será a ênfase que daremos na educação dos nossos filhos e na avaliação de nossos trabalhadores? Ao esforço ou ao resultado?

Quem tentou ser útil à sociedade mas fracassou teria direito a uma "renda mínima"? É justo dar 3,5 àqueles cujo esforço foi justamente enganar seus professores e o "sistema"? Não seria justo dar-lhes um sonoro zero? Precisamos optar por uma sociedade justa ou por uma sociedade eficiente, ou podemos ter ambas?

Como aluno, eu tive de me esforçar muito mais para as provas daqueles professores carrascos, que avaliavam resultados, do que para as provas dos professores mais bonzinhos. Quero agradecer publicamente aos professores "carrascos" pela postura ética que adotaram, apesar das nossas amargas críticas na época. Agora entendo por que tantos de nossos cientistas e professores pertencem à Academia de Letras, por que somos o último país do mundo em termos de patentes, por que tantos brasileiros recebem sem contribuir absolutamente nada para a sociedade e por que nossos políticos falam e falam e não realizam nada.

Que sociedade é mais justa, aquela que valoriza as boas intenções e o esforço ou aquela que valoriza os resultados? Uma boa pergunta para começar a discutir no retorno às aulas.

Nessun Dorma

DEEP PURPLE & PAVAROTTI - NESSUN DORMA

[via FoxyTunes / Deep Purple]

Tuesday, August 05, 2008

Vamos ser tolerantes? by João Pereira Coutinho

Vamos ser tolerantes?


Questão bicuda: a Alemanha tem 163 mesquitas para seus 3 milhões de muçulmanos. Mas 163 mesquitas não chegam. Informa a revista "Der Spiegel" que mais 184 mesquitas vêm a caminho, uma realidade que não agrada à maioria dos alemães. Os alemães não desejam a "islamização" do seu espaço público. E temem que as mesquitas sejam centros de propagação fanática ou de recrutamento terrorista.

Os confrontos já começaram. Em Lavingen, por exemplo, cocktails Molotov são recorrentemente jogados na mesquita da cidade. Em Hanover, opta-se pelo insulto verbal, com o dito "Terra christiana est", qualquer coisa como "Essa é terra cristã", escrito nas paredes do edifício.

Mas notável é a projetada mesquita de Colónia, que será a maior de toda a Europa, com seus 22 mil metros quadrados, 55 minaretes, uma altura comparável a 18 andares e, imagino eu, o inevitável chamamento para a oração que cobrirá toda a cidade com os dizeres do Corão. Como responder ao problema social que as mais de três centenas de mesquitas começam a representar para os alemães?

Um liberal clássico, para quem o Estado deve ser sempre neutro perante diferentes concepções do bem, dirá consequentemente que o Estado é também neutro em matéria religiosa. Se não existe uma religião oficial, então não existe nada que impeça os muçulmanos europeus de construírem as mesquitas que entenderem (desde que, obviamente, respeitem as leis do Estado). Sim, seria improvável que uma comunidade cristã, ou judaica, pudesse construir uma mega-igreja, ou uma mega-sinagoga, no centro de Teerã. Isso seria um pecado de morte, punível com a terapia conhecida. Mas a diferença entre as democracias liberais do Ocidente e as teocracias corruptas do Oriente Médio reside precisamente aqui: a tolerância é um dos mais preciosos frutos da separação entre o Estado e a Igreja, inexistente no Islã. Uma mesquita, uma sinagoga, uma igreja: tudo é igual perante um Estado confessionalmente neutro.

Eu simpatizo com os liberais clássicos. E não pretendo repudiar o dogma da neutralidade do Estado perante diferentes concepções do bem. Pelo contrário: gostaria de o ver reforçado. E a melhor forma de reforçar as virtudes liberais seria permitir a construção de uma mesquita, integrando-a plenamente na natureza diversa das cidades ocidentais. Nada de guetos. Nada de áreas especificamente islamizadas. Nada de tratamento especial. A permissão seria concedida se as autoridades islâmicas aceitassem que as suas mesquitas teriam como vizinhos imediatos uma sinagoga, uma sex shop, um café (para ambos os sexos), salas de cinema, livrarias, açougues (com todo o tipo de carnes), lojas de vinhos (bem fornecidas) e, uma vez por ano, a parada gay a desfilar à porta.

A tolerância é um valor crucial. Mas a tolerância termina perante a intolerância dos outros. Aceitar mais uma mesquita? Nada contra. Desde que a mesquita aceite tudo o resto.

João Pereira Coutinho